A casa das artes

Em 2005, alguns artistas resolveram montar um lugar onde pudessem trabalhar e produzir fora de suas casas. Assim, surgiu a Casadalapa, um local que conta hoje com 14 integrantes que dividem uma casa espaçosa no bairro da Vila Ipojuca.

Com jardim, espaços abertos, gramado e áreas cobertas conjuntas, cada artista tem sua área, seja sozinho ou dividindo salas. A sala, a cozinha, os banheiros e os corredores adjacentes também são usados como galeria para as exposições.

Misturando artes de todos os tipos, os integrantes atuais da casa são Alessandra Domingues (iluminadora), Fernando Coster (cineasta), Julio Dojcsar (artista plástico, diretor de arte, grafiteiro e cenógrafo), Maysa Lepique (atriz), Newber Machado (fotógrafo, artista gráfico e webdesigner), Pedro Noizyman (editor de som, dj e produtor musical), Rafaella Costa (produtora de cinema/cultural e aprendiz de ceramista), Sato (artista gráfico, ilustrador e sushiman), Silvana Marcondes (cenógrafa e figurinista), Simon Simantob (técnico e produtor musical), Thiago Dottori (roteirista e cineasta), Will Robson (dj e produtor musical), Willem Dias (montador de cinema) e Zeca Caldeira (fotógrafo).

O grupo cedeu uma entrevista ao Catraca Livre contando um pouco como é trabalhar ora em conjunto, ora em separado e qual o propósito da Casadalapa. Confira.

Qual a intenção do grupo em se reunir em um único espaço para criar? De certa forma isso altera o momento da criação ou os projetos de cada um?

A Casadalapa não foi criada com um pensamento homogêneo e estático. O primeiro estágio foi como um simples conjunto de estúdios para trabalhos pessoais. Mas muitos dos “moradores” sempre trabalharam ou em grupos de artes plásticas, intervenção urbana, teatro, cinema e música. E com uma característica importante: todos eram amigos ou conhecidos. Isso talvez seja um grande diferencial para a transformação que ocorreu aqui. Todos acreditavam no talento de cada um e começamos a criar essa rede de trabalhos entre nós. Quando existiu a necessidade de substituições dos ”moradores”, já se pensava nesse perfil para os novos integrantes. Do núcleo inicial estão 9 dos 13 participantes daquela época. Daí, para um trabalho coletivo foi um pulo bem mais fácil. O momento de criação ainda obedece aos espaços de tempo que os “moradores” conseguem aliar ao seu trabalho pessoal. Claro, sempre vão ter os que trabalham muito, os que trabalham no que dá, os que às vezes dão as caras e os que não podem ou não querem participar. Às vezes enche o saco, às vezes não, como em qualquer processo colaborativo. Mas mesmo assim, a conciliação acontece na medida do possível e tecemos já vários projetos unificados, como o “Enquadro”, o “Mixto Quente” e o “Tótem”.

O espaço é aberto para exposições de outros artistas?

A Casadalapa não é fechada. Estamos construindo uma rede de artistas, colaboradores e agregados que aumenta a cada dia. Mas essa rede é construída pouco a pouco, com as pessoas que estão à nossa volta. Essa volta é que cresce sempre. Não é regra. É simplesmente o jeito que a gente faz. Conhecemos alguém que vem e conhece a gente, aí vem o trabalho, a participação. Tudo orgânico. Como qualquer relação. Mas a porta está aberta. Quem quer conhecer a Casa sempre será bem-vindo. Temos sempre um cafezinho para oferecer.

Vocês acham que a formação de coletivos é uma “nova” maneira encontrada para os artistas sobreviverem?

Não é novo. Boêmia na França, Dadaístas, Situacionistas, Factory, De Stijl, Fluxus, Underground Resistance, Contracultura. No Brasil, o Movimento Modernista, o Movimento Antropofágico, Concretistas em 50, Rex nos 70, Tupinãodá dos anos 80. Sempre um movimento ganha força quando praticado em conjunto. Isso é fácil de entender. Um mais um é sempre mais que 2. Um pinta o outro segura a escada. Mas aqui nunca pensamos em sobrevivência coletiva como artistas, já que a construção da Casadalapa até o que é hoje não obedeceu a um projeto arquitetônico pré-estabelecido. Tudo o que a gente faz, se faz pela urgência em que vai surgindo. Queríamos mostrar nossos trabalhos sem entrar em disputas por espaços em galerias, etc. Temos o espaço aqui. Temos música, artes plásticas, graffiti, cinema. Então é isso que vamos mostrar. Aí, num cafezinho da tarde, ou numa carona para casa, alguém tem uma ideia mirabolante sobre um processo para juntar todo o mundo na casa para uma criação em conjunto. Vamos nessa? Ah, vamos né! Tá na chuva é para se queimar, né não?

Quanto ao projeto Mixto Quente que junta show, exposição e cinema, ele terá uma periodicidade? Que público vocês atingem? Como funciona?

O Mixto Quente surgiu dessa urgência da gente precisar extravasar o que estava sendo produzido pelos moradores da Casadalapa. Também sempre fomos festeiros. Aí, juntou a fome com a vontade de engordar. Fazemos coletivas de artes plásticas que junta fotografia, escultura, graffiti, instalação, pintura. Show com no mínimo duas bandas. Cinema com festival de curtas que dura 1 hora. Show ou espetáculo para crianças. Fora toda infraestrutura. Maior correria. Então fazemos de três em três meses, mais ou menos. A divulgação é feita no boca a boca, literalmente. De amigo do amigo do amigo do amigo. De quem participa, de quem conhece, de quem já veio, de quem já trabalhou com a gente. Aí mistura tudo. Povo de cinema, do teatro, os psicólogos da turma, os artistas plásticos, o cara da acupuntura, da ioga, os músicos, a dentista, quem faz nossos óculos, nossos advogados. Só que a rede vai aumentando. Acho que é assim que tem de ser. Não acredito, particularmente, em altas produções, aparecer nos guias de jornais, programas de TV. O Mixto Quente já tem o tamanho que tem que ter. Tá gostoso, tá divertido, a maioria volta. Que mais a gente quer?

E sobre novos projetos, vocês têm novidades rolando?

Tem coisa rolando. Pedras, cabeças, trabalhos. Um processo que estamos fazendo há algum tempo é o “Enquadro”, uma nova visão de dramaturgia que desenvolvemos na casa, – juntamos graffiti, contracena, vídeo, fotografia, figurinos, instalações e intervenções como ingredientes da dramaturgia. Isso tudo somado conta uma história. Queremos traçar um painel da cidade de São Paulo por meio de seus personagens. Personagens nem sempre reconhecidos, alguns invisíveis, histórias esquecidas, personagens quase desaparecidos, mas que estão por aí, esperando para aparecer. A ideia é que possa virar filme, exposição ou livro. Já fizemos 2 Enquadros, mas a linguagem ainda está sendo construída. Para variar, nada é acabado antes de acontecer. E tudo é discutido entre todos os participantes. Os personagens, o roteiro, a história, os desenhos, os grafos, as formas, as contracenas, as linguagens. Aí a gente vai para a produção, andando no meio fio, no fio da navalha. Está aí a graça. Para gente, né!