Como lutar contra o fascismo em meio à pandemia do coronavírus

A revolta da população contra a política de Bolsonaro no combate à covid-19 é latente, mas o que fazer?

06/06/2020 14:14

Como lutar contra o fascismo em meio à pandemia do novo coronavírus? Esta é a pergunta que não quer calar nos últimos dias. A revolta da população contra a política negacionista do presidente Jair Bolsonaro frente à realidade imposta pelo crescimento dos casos e mortes causadas pela covid-19 é latente.

Como lutar contra o fascismo em meio à pandemia do coronavírus
Como lutar contra o fascismo em meio à pandemia do coronavírus - Reprodução/Facebook

As ameaças diárias à democracia, como a participação do chefe do Executivo nacional em protestos que pedem o fechamento do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal (STF), indigna a sociedade pelo caráter antidemocrático dos atos, mas também pelo desrespeito às recomendações mundiais de distanciamento social para diminuir a propagação do coronavírus.

Na semana passada, as torcidas organizadas dos times paulistas se juntaram e foram às ruas protestar contra o governo e pela democracia. Após este protesto, novos foram chamados para o próximo domingo, dia 7, em diversas cidades do país.

Mas, os tempos são de pandemia. Nela, mais de 35 mil brasileiros morreram em três meses, o Brasil se tornou o 3º país do mundo com mais mortes e, até agora, a nossa curva de contágio ainda é ascendente. Foram os setores democráticos e antifascistas os responsáveis por defender as recomendações da OMS, o isolamento social, para que esse número não fosse ainda maior. Enquanto isso, Bolsonaro e os setores ultraconservadores são declaradamente contra essas medidas. Neste contexto, propor protestos gera divergências.

A Catraca Livre conversou com diversos movimentos antifascistas para saber como lutar contra o fascismo em meio à pandemia do coronavírus. Confira abaixo:

Movimento Estudantil

“O presidente tem destilado seu ódio e escárnio contra a população e sabotando o auxílio emergencial, atrasando pagamentos, incentivando aglomerações e rindo da situação. O centro da nossa luta nesse momento é a garantia do isolamento social e de dar condições de viver, sobreviver para a população”, afirma o coordenador geral do Diretório Central dos Estudantes da USP, Marcos Kauê. Para ele, a ação do presidente “deixou evidente seu caráter fascista de desprezo pela vida”.

Brasilândia, Zona Norte de São Paulo, junho de 2020
Brasilândia, Zona Norte de São Paulo, junho de 2020

“Até agora denunciamos as manifestações chamadas por Bolsonaro por serem contra a democracia e ajudarem na contaminação do coronavírus. Não podemos cair nas provocações fascistas e achar que podemos colocar em risco nossos familiares, amigos e a sociedade no geral, por isso acho que não devemos incentivar atos que inevitavelmente incentivam aglomerações para combater o Bolsonaro. Na prática, isso dá força para o discurso anti-isolamento”, salienta o líder estudantil.

O presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE), Iago Montalvão, defendeu as manifestações, mas apontou a necessidade de medidas de segurança. “É responsabilidade do Bolsonaro, também, as pessoas terem que sair das suas casas para ir às manifestações para poderem reivindicarem o mínimo de cuidado com a vida e respeito à democracia. Chegamos no limite. As pessoas não têm mais condições de ficar, em suas casas, gritando enquanto a situação piora cada vez mais”, afirma.

Iago reconheceu a gravidade do momento: “Iremos participar dos atos com pessoas destacadas, fora do grupo de risco e que estejam em locais de segurança (sem morar com os pais ou pessoas de grupo de risco), e vamos orientar os estudantes a construírem grupos de solidariedade, distribuindo máscaras, dando auxílio jurídico e de segurança nas manifestações”, diz o presidente da UNE.

Vitória Cabreira organizando distribuição de cestas básicas em meio à pandemia do coronavírus, em Porto Alegre
Vitória Cabreira organizando distribuição de cestas básicas em meio à pandemia do coronavírus, em Porto Alegre - Reprodução/Instagram

A presidente da União Municipal dos Estudantes Secundaristas de Porto Alegre (UMESPA), Vitória Cabreira, é enfática: “Não dá pra ter dois pesos, duas medidas. Não dá pro antifascismo chamar Bolsonaro de genocida porque incita aglomerações e participa de manifestações, mas achar correto fazer o mesmo para defender a democracia. Mais de mil mortos por dia não é hora de protestos nas ruas”.

Segundo Vitória, as mobilizações de rua organizadas por bolsonaristas são pequenas. “Semana a semana, elas não crescem e o momento nos exige inteligência e paciência pra derrotar Bolsonaro. Infelizmente, não é possível fazer um acordo com vírus”.

“A melhor maneira de derrotar o fascismo é se espelhar nos diversos episódios da história que devolveram o fascismo para lixo, como a frente ampla que derrotou o nazifascismo na Segunda Guerra Mundial, ou então a grande frente que protagonizou as Diretas Já no Brasil e sepultou a ditadura militar. Portanto, precisamos de uma frente ampla com diversos setores de esquerda ou não, em defesa da vida, da democracia, do emprego e do Brasil. É com essa frente que teremos a capacidade de impedir que Bolsonaro siga promovendo o caos e criaremos as condições para o país se livrar da crise e vencer a pandemia”, ressalta a secundarista.

Júlio Câmara, coordenador do movimento Juntos! no Rio Grande do Sul, ponderou que o boicote no pagamento do auxílio emergencial e as filas na Caixa são para “fazer o povo sofrer, para mostrar que isolamento social não é viável, não é possível”. “O isolamento social não é uma realidade para o povo brasileiro por culpa do Bolsonaro”, explica.

Ele também pontuou que “agora Bolsonaro está publicamente comandando um movimento de extrema-direita que homenageia a Ku Klux Klan, que defende o extermínio das pessoas negras”, dentre outras atrocidades antidemocráticas.

“Se Bolsonaro pretende dar um golpe, fechar o regime, a manifestação nesse domingo será uma resposta. Sei que tem gente que acredita que convocar manifestações nesse momento seria uma justificativa para o fechamento do regime. Mas nós achamos que a manifestação antifascista nesse momento é uma trava ao golpismo e à extrema-direita”, afirma o líder do Juntos!.

Movimento comunitário

A realidade vivida nos lugares onde a pandemia é mais cruel faz as lideranças questionarem qual a melhor forma de travar a luta contra o fascismo.

Para Keila Pereira, moradora de Parelheiros, bairro do extremo sul da cidade de São Paulo, e uma das organizadoras da campanha Parelheiros e Marsilac Sem Fome, que surgiu em março a partir da iniciativa de jovens, artistas e comerciantes da região para enfrentar a pandemia, afirma que “é preciso o máximo de racionalidade, pois o ódio que temos à ditadura e ao fascismo é grande, mas ainda não é hora de chamar o povo às ruas. O povo de quem falamos ainda não se isolou, pelo desemprego, pela fome e pela desinformação, e a primeira necessidade ainda é garantir isso”.

Entrega de cestas básicas organizadas pela campanha Parelheiros e Marsilac Sem Fome
Entrega de cestas básicas organizadas pela campanha Parelheiros e Marsilac Sem Fome

Segundo Keila, “precisamos defender a vida. Sem acesso à saúde vão morrer os mais pobres, os negros, as mulheres”. “Não podemos nos transformar em vetores do que já matou mais de 35 mil brasileiros. Em Parelheiros, por exemplo, tudo que temos é um hospital recém inaugurado, inacabado, com 20 leitos, para uma população de mais de 200 mil habitantes. Muitos sem renda, que o acesso à rede de internet é limitado, e ainda em alguns bairros sofrem com racionamento de água.”

“Nos igualar às atitudes criminosas de Bolsonaro é preocupante. Acredito que devemos ponderar: que parte do nosso discurso sobre ficar em casa, sobre ajudar a isolar mesmo os que não tem casa, combina com a gente ir para a rua com milhares de outras pessoas se manifestar quando ainda não diminuímos o contágio do coronavírus? Não podemos nos contradizer, pois nos enfraquece e isso significa dar força ao Bolsonaro. E agora o que a oposição mais precisa é se fortalecer e ampliar”, salientou a líder comunitária.

Rodrigo Lucas, liderança comunitária na Brasilândia, bairro periférico na zona norte da capital paulista, e integrante do movimento Brasilândia Solidaria, revela que “mesmo com ações que nos ajudam a dar conta das necessidades imediatas do povo, como distribuição de cestas básicas, álcool em gel e máscaras, e discutindo a importância das medidas preventivas, como lavar as mãos com frequência, distanciamento social, etc., a realidade é que muitas famílias sequer possuem água encanada”. “Em outros pontos do bairro, onde há abastecimento, após determinados horários, falta água. Milhares estão sem ter acesso ao auxílio emergencial. As famílias não têm acesso a internet e, os que tinham, estão ficando sem por falta de recursos”, relata.

Brasilândia Solidária faz ato e cobra a abertura total do Hospital da Brasilândia.
Brasilândia Solidária faz ato e cobra a abertura total do Hospital da Brasilândia. - Reprodução/Instagram

“A defesa da vida, do acesso à saúde, das condições de isolamento, dos testes em massa e da ciência é o ponto da luta. Não adianta ir na Paulista trocar porrada com os bolsonaristas. Não basta dizer que é antifascista, talvez o povão nem entenda muito o que significa, talvez esteja até alheio a isso, precisamos combater o fascismo no seu aspecto econômico, cultural e, claro, no político. Para isso tem que estar junto com o povo. A galera da Vila Madalena ir para a Paulista porque tá cansada de ficar em casa trancado soa apenas como uma falsa ofensiva”, salienta o jovem líder comunitário.

Francisco Moraes, líder comunitário do bairro Presidente Kennedy, na periferia de Fortaleza (CE), critica os protestos neste momento. “Naturalmente, entendo os movimentos que puxam protestos em defesa da democracia, mas ignorar as questões sanitárias e as recomendações científicas quando o sistema de saúde está colapsado e o funerário também é ir na mesma onda do Bolsonaro. Não há no momento aglomeração do bem e do mal, não há diferença em uma manifestação para o Bolsonaro e outra contra o Bolsonaro. Ambas causam grandes impactos de contaminação, pois foram questões como estas que fizeram, no início, o aumento da contaminação comunitária”.

“Dito isso, reforço um pedido para que possamos ajudar nossa população nesse momento, até para eles terem uma noção de que o fascismo atinge a vida deles e que a política genocida de Bolsonaro foi que colocou eles nesta situação, que fez uma maioria ficar desempregada, que está fazendo uma maioria até deixar de sonhar”, afirma Moraes, que há quase seis anos fundou o Projeto Social Chiquinho Moraes & Menina Chic para ajudar o bairro que foi morou desde criança. Ele defende que é preciso combater o fascismo “enfrentando a fome, o desemprego e salvando vidas. Fazendo tudo isso, estaremos mais fortalecidos para logo voltarmos às ruas”.

Movimentos sociais e partidos

Maria Carolina dos Santos, dirigente da União da Juventude Comunista, ligada ao Partido Comunista Brasileiro (PCB), afirma que “não dá para a gente chamar mobilizações, manifestações de rua, no tamanho à proporção que a gente chamava antes do período da pandemia. Isso fica muito claro até porque a gente tem um compromisso em resguardar a vida das pessoas, valorizar as pesquisas”. Mas, ela também pondera que “não dá pra cair nessa armadilha do discurso de que são as mobilizações dos setores populares que colocam as nossas cidades em risco e a vida das pessoas em risco”.

“Hoje, a maioria das pessoas não tem as condições necessárias para permanecer dentro de casa e a maioria das pessoas já estão nas ruas, sendo exploradas, sem direitos garantidos, sem medidas de proteção. No caso da juventude negra e pobre são alarmantes as últimas notícias dessa violência, a quantidade de pessoas que morreram dentro de casa. Ficar em casa não é garantia de que vamos continuar vivos”, afirma a jovem comunista.

Como lutar contra o fascismo em meio à pandemia do coronavírus
Como lutar contra o fascismo em meio à pandemia do coronavírus - Raíssa Oliveira ( @olivenrai )

Em nota conjunta, líderes de partidos de oposição a Bolsonaro (PSB, PDT, Cidadania, PSD) pediram para que a população não vá às ruas no próximo domingo. Os partidos acreditam que com o avanço do novo coronavírus para o interior do país, que tem ainda menos leitos de UTI, o momento é de “redobrar os cuidados sanitários e ampliar a comunicação com a sociedade em prol do distanciamento social”. “Observando a escalada autoritária do governo federal, devemos preservar a vida e segurança dos brasileiros, não dando ao governo aquilo que ele exatamente deseja, o ambiente para atitudes arbitrárias”, salienta a nota.

“Ainda não é o momento, em respeito às famílias de vítimas do coronavírus e também daqueles que até hoje tem respeitado (…) o isolamento como a melhor alternativa de combate à covid-19. Continuaremos firmes na oposição das mais diversas formas que a situação permite”, apontam os partidos.