‘Foi a melhor coisa da minha vida’, diz homem trans após mastectomia
Morador de uma cidade no interior do Rio Grande do Norte, Carlos Vitor vendeu rifa e fez uma vaquinha para juntar dinheiro e conseguir realizar a cirurgia
“Essa cirurgia foi uma das melhores coisas da minha vida”, afirma Carlos Vitor dos Santos, de 22 anos, um homem transexual que, no mês de agosto, conseguiu realizar seu maior sonho: fazer a mastectomia masculinizadora (retirada da mama). Morador de Cruzeta, cidade de 7 mil habitantes no interior do Rio Grande do Norte, o rapaz fez uma rifa e uma vaquinha virtual, e não desistiu enquanto não juntou todo o dinheiro necessário para o procedimento.
Seu dia a dia, antes dominado por uma sensação de dor e insatisfação com o próprio corpo, se transformou completamente. “Fiz essa cirurgia por mim e para mim, não é questão estética. É minha saúde mental, é meu ver, é eu conseguir me olhar no espelho”, conta em entrevista à Catraca Livre, que, à época, divulgou a campanha de financiamento coletivo em apoio à mastectomia de Carlos.
Cerca de um mês depois do procedimento, o potiguar relatou como foi esse processo e o que mudou na sua vida, principalmente nas relações com a família e os amigos. Segundo ele, sua mãe, que antes mal aceitava ter um filho trans, passou a apoiá-lo. “Quando eu cheguei [após a mastectomia], lembro que minha mãe me abraçou bem forte, botou comida no meu prato e arrumou minha cama. Agora ela está sendo mãe”, diz, emocionado.
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Confira o depoimento na íntegra:
“Eu já queria essa cirurgia há muito tempo e não tinha forças e motivação. Achava que nunca ia conseguir porque era um valor alto e eu só recebia um salário, além do que não tinha o apoio de ninguém. Comecei a ficar muito mal, cada vez pior, as feridas aumentando, e não conseguia mais usar binder, nem faixa.
Não conseguia fazer mais nada que eu gostava: eu queria correr, jogar bola e lutar, mas não dava porque essas coisas me deixavam mal.
Então, decidi fazer algo para mudar isso. Como moro aqui no interior [do Rio Grande do Norte], sempre tem rifas, o pessoal sai vendendo galinha, essas coisas. Há um ano, publiquei na minha rede social um post perguntando, caso eu fizesse uma rifa [para fazer a mastectomia masculinizadora], se as pessoas me ajudariam. Todo mundo falou que ia comprar. Aí fiz a minha rifa, com o prêmio de R$ 100, mas as pessoas acharam caro o bilhete, que custava R$ 5.
Um amigo de Minas Gerais, o Lucas Miranda, também homem trans, tem uma loja e resolveu me ajudar. Ele doou um relógio e um boné para dar como prêmio da rifa. A campanha foi repercutindo, as pessoas compartilharam e eu pedi ajuda no Facebook. Tive ajuda de vocês [da Catraca Livre], que foi uma luz, com a qual conheci várias pessoas e tive apoio de fora do Brasil, inclusive.
Eu recebi apoio emocional, tive muita motivação, e desmotivação também, que ocorreu quando fui espancado.
Após esse acontecimento, eu me automotivei e não sosseguei enquanto não consegui juntar todo o dinheiro. Vendi a minha moto, fiz a vaquinha virtual e saí oferecendo a rifa nas casas pelas cidades próximas. Até fiz salada para vender. Quando só faltava mil reais, pedi emprestado para a minha mãe. Acho que ela conversou com meu pai e ele me deu esse dinheiro.
Eu chorei muito porque não esperava que iria conseguir e que ele [meu pai] ia me ajudar. Ele ficou preocupado, perguntou quem ia cuidar de mim…
Acho que quando a gente tem um sonho precisamos lutar, cair, levantar e conquistar, independente que demore ou não.
A minha cirurgia ocorreu em Natal, aqui no Rio Grande do Norte. Antes disso, apesar de não estar com o dinheiro, eu já vinha escolhendo com qual cirurgião faria o procedimento.
Dois amigos meus fizeram com essa cirurgiã, a Dra. Carolina. Ela é uma excelente médica. Nunca vou esquecer que, ao chegar na sala para fazer o orçamento, ela falou que essa cirurgia não deveria ser considerada estética, porque é uma questão de saúde, mental e física.
Nós, homens trans, que fazemos terapia hormonal, corremos riscos. O hormônio faz com que o peito seque e isso pode causar o risco de câncer.
A médica foi super compreensiva em todos os aspectos e disse que estava ansiosa pelo resultado quando comentei que tinha recebido muita ajuda.
Após toda cirurgia você sente dor, né? Então, eu senti dores durante a recuperação, mas nada ao extremo. Tive muita ajuda dos meus amigos, Lucas e Ariel, que foram os que mais ficaram perto de mim.
Tudo aconteceu na hora que tinha que acontecer. As coisas simplesmente fluíram e não tenho explicações para isso. Ainda estou no pós-cirurgia, então, quando sinto dores, paro e penso: é só agora, depois vou estar livre. Até com minhas dores eu me motivei a não sentir dor.
Me sinto mais calmo, mais tranquilo e feliz em poder fazer as coisas que gosto. Não que a cirurgia seja uma coisa que eu precise ficar mostrando para as pessoas, é algo que fiz para mim, por minha saúde mental, pois precisava estar bem comigo mesmo.
Essa cirurgia foi uma das melhores coisas da minha vida.
A ficha ainda não caiu: ainda não acredito que consegui fazer a minha cirurgia. Hoje, quando fui fazer o meu curativo, tirei o colete cirúrgico e vesti uma camisa. Eu chorei quando vi que não estava nada marcando. Meu Deus, isso é muito gratificante. Tudo o que eu fiz, tudo, tudo, valeu a pena.
Poucas pessoas da minha cidade me viram após a cirurgia porque voltei há poucos dias. Mas, algumas pessoas que me encontraram na rua me surpreenderam com comentários do tipo: ‘parabéns, graças a Deus você conseguiu sua cirurgia. Eu vi seu esforço’. São coisas que não esperava, achei que ia continuar sendo julgado e criticado.
A minha mãe está bem mais calma, cuidando de mim, como se nada tivesse acontecido, é uma coisa que nunca esperei. Eu estou muito feliz. Ela só não quer ver a cirurgia, mas entendo. Ela cuida de mim e pergunta se preciso de alguma coisa.
Quando eu cheguei, lembro que minha mãe me abraçou bem forte, botou comida no meu prato e arrumou minha cama. Agora ela está sendo mãe.
Acredito que agora as coisas vão começar a melhorar quando ela viu todo meu esforço para conseguir isso, com meu suor, dando minha cara a tapa depois que fui espancado. Acredito que as coisas agora vão melhorar, eu espero.
No futuro, quero poder ajudar mais as pessoas. Sou só uma pessoa do interior do Rio Grande do Norte, de uma cidade que acho que quase ninguém conhece. Recebi várias mensagens de pessoas felizes pela minha vitória.
Espero futuramente fazer um livro poque quero que as pessoas aprendam a se automotivar e a conseguir o que querem. Eu espero que possa me tornar uma pessoa melhor, que eu consiga fazer o que gosto, sem uma coisa que me sufoca. Estou muito de bem, só consigo sorrir.
Eu fiz essa cirurgia por mim e pra mim, não é questão estética. É minha saúde mental, é meu ver, é eu conseguir me olhar no espelho.
Espero que eu esteja cada vez melhor comigo mesmo e que, com o tempo, venha uma futura cirurgia que pretendo fazer: a histerectomia (retirada do útero). Acho que também vai ter a hora certa.”
Saiba mais sobre a história de Carlos no link abaixo: