Gata tetraplégica será 1ª a testar tratamento com canabidiol no Brasil
Terapia experimental é o último recurso para tentar melhorar quadro de gatinha que sofre com múltiplas doenças e dores crônicas
Reconhecidamente eficaz no alívio de vários tipos de males em humanos, o canabidiol (CBD), substância derivada da maconha, é também uma esperança no tratamento de dores e convulsões de animais. Liberada para uso veterinário em mais de 20 estados dos Estados Unidos, a substância agora será usada pela primeira vez, de maneira legal, por uma gata tetraplégica, resgatada de uma situação de maus-tratos.
A escolhida para testar o medicamento importado e manipulado pela primeira vez por um laboratório veterinário brasileiro é Denise, uma idosinha, de cerca de 15 anos, que viveu por muito tempo na casa de uma acumuladora sem receber o tratamento adequado.
Atualmente, a gatinha faz uso de luz infravermelha, acupuntura e toma mais de sete remédios por dia para aliviar a dor e controlar convulsões diárias. “Ela sofre com artrite, artrose, hérnia de disco, bico de papagaio, polirradiculite (inflamação de raízes nervosas), osteoporose, hiperestesia (excesso de sensibilidade) à dor e ainda tem a coluna quebrada em oito lugares”, relata sua atual tutora e ativista, Simone Gatto.
- Novo estudo revela que canabidiol auxilia no tratamento de autismo
- Pesquisa descobre composto de cannabis em erva daninha brasileira
- Empresário que sofreu AVC volta a andar após uso de canabidiol
- Mais de 300 mil gatos morrem após surto desta doença no Chipre
De acordo com Simone, Denise já utilizou todo tipo de terapia, das mais convencionais às mais alternativas. “Até tratamento espiritual fizemos”, conta. Hoje, ela é acompanhada pela USP, no núcleo que cuida exatamente da dor. “A gente aumenta as doses dos remédios a cada dia, mas a gente não quer um animal sedado porque, para que ela não sinta dor, ela tem que estar sedada e a gente não quer isso, a gente quer dar qualidade de vida para ela”, explica Simone.
Esperança de melhora
A expectativa da equipe médica que acompanha a felina é que, com o CBD, ela possa – se não zerar a dor – pelo menos ter algum alívio. “A ideia é que esse remédio possa melhorar isso com muito menos efeitos colaterais que os dos anticonvulsivantes e analgésicos fortes”, afirma a médica veterinária Maira Formenton, do Ambulatório de Dor e Cuidados Paliativos da FMVZ-USP.
Para a especialista, essa é uma grande inovação na medicina veterinária. “Antes, chegava uma hora que você tinha que decidir se sobrecarregava um rim, um fígado ou ia afetar até o próprio estado de consciência do animal. Agora, com a possibilidade de prescrição aqui no Brasil, a gente tem uma opção, que são esses cannabinoides”, comemora.
Apesar desse avanço, importar o canabidiol para ser manipulado por laboratórios no Brasil ainda é algo burocrático e custoso. A esperança é que essa substância possa ter autorização para ser produzida por aqui. “A gente espera que com o sucesso do caso da Denise, nós consigamos lutar para que essa medicação seja amplamente distribuída”, comenta a veterinária.
Legalização do CBD veterinário
O CBD não possui qualquer efeito psicoativo, ou seja, não causa dependência psíquica ou química. Porém, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) estabeleceu todo um procedimento para a importação e utilização através da RDC 17/15, inclusive classificando a substância como controlada.
Atualmente, a agência está com duas consultas públicas relacionadas à regulamentação do cultivo controlado de Cannabis sativa para uso medicinal e científico no Brasil e do registro de medicamentos produzidos com princípios ativos da planta. Tudo isso para o uso entre humanos.
No caso de uso da substância para fins veterinários, no aspecto legal, não há regulamentação específica, de acordo com o advogado Flávio Pigatto, sócio-fundador da DrogaVET. “No âmbito do Ministério da Agricultura, que é o órgão competente para a regulamentação dos medicamentos de uso veterinário, o CBD não consta no rol de substâncias sujeitas a controle especial, conforme disposto na IN 35/17“, afirma Pigatto.