Morte de cicloativista Marina Harkot gera comoção e pedido por justiça
Sociedade exige um basta na violência no trânsito, além de melhores políticas de mobilidade urbana
A morte da cicloativista Marina Kohler Harkot, 28 anos, na madrugada do último domingo, 8, em São Paulo, causou comoção e revolta, além de pedidos por justiça e melhores políticas de mobilidade urbana. A jovem era pesquisadora do LabCidade da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU/USP) e faleceu após ser atropelada enquanto andava de bicicleta pela Avenida Paulo VI, no Sumaré, Zona Oeste de São Paulo. O motorista não prestou socorro e fugiu.
Formada em Ciências Sociais pela Universidade de São Paulo, Marina era mestra e doutoranda pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da instituição (FAU-USP) e era pesquisadora colaboradora do Laboratório Espaço Público e Direito à Cidade (LabCidade).
Cicloativista, ela tinha a bicicleta como seu principal meio de locomoção na cidade. Em 2018, concluiu o mestrado pela FAU-USP com a dissertação “A bicicleta e as mulheres: mobilidade ativa, gênero e desigualdades socioterritoriais em São Paulo”. Em suas pesquisas, Marina Kohler tratava sobre a relação entre planejamento urbano, mobilidade urbana e gênero.
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Ela também foi coordenadora da Associação de Ciclistas Urbanos de SP (Ciclocidade), ministrou aulas na Escola da Cidade e foi consultora de projetos no Banco Mundial, além de ter feito parte do Conselho Municipal de Trânsito e Transporte de São Paulo.
Após a morte de Mariana, ciclistas e cicloativistas realizaram uma homenagem para ela na Praça do Ciclista, na Avenida Paulista, neste domingo. Além disso, entidades, pesquisadores e políticos se manifestaram sobre o caso.
Em nota, o LabCidade resgatou as principais características de Mariana e a revolta por sua morte torpe, em uma cidade que ainda não reconhece a importância da mobilidade urbana e da bicicleta.
“De uma sensibilidade incrível e sorriso fácil, suas pesquisas, extremamente rigorosas, apontavam para uma nova forma da academia olhar para a cidade e transformá-la, engajando-se diretamente em temas candentes do cotidiano das mulheres que passam despercebidos pelas análises frias das políticas que abstraem as diferenças dos diferentes corpos no espaço urbano”, diz a nota.
Segundo o LabCidade, “a morte de Marina, ativista e pesquisadora dos temas do feminismo, mobilidade ativa e da cidade é uma perda inestimável, criminosa, e não pode ser em vão. Uma cidade que mata, onde o corpo e a vida não tem nenhum significado, não pode mais ser tolerada. Marina foi morta enquanto lutava. Pois sua luta não se separava da sua vida, do seu corpo em movimento de bicicleta pela cidade. E perdemos, junto com a ativista, uma companheira de vida, da vida que ela nos ajudava a enfrentar com novos olhos”.
“Nossa melhor forma de homenagear a Marina é reafirmar nosso compromisso com a luta por cidades que protejam a vida”, salientou a entidade.
A Ciclocidade também homenageou a cicloativista e pesquisadora e em nota afirmou que “crimes culposos são aqueles que acontecem sem a intenção e quem dirige acima de velocidade, atropela e não presta socorro assume o risco de tirar a vida de alguém, e isso não pode ser classificado como crime culposo. Para nós foi assassinato!”.
“Exigimos justiça pela vida de Marina e de todas as pessoas que ainda morrem diariamente na carnificina que chamamos de trânsito neste país. As políticas públicas e as ruas das cidades precisam ser desenhadas para proteger a vida e não para acabar com ela estimulando a alta velocidade na vias públicas urbanas. São Paulo está comprometido com a redução das mortes no trânsito através do Plano Diretor, de acordos internacionais e conforme manda a própria Constituição e Código de Trânsito, é preciso que esse problema crônico, que essa epidemia de mortes na mobilidade seja encarada de frente e com seriedade”, afirmou a Ciclocidade.
“Nós não aguentamos mais chorar a morte de pessoas queridas nas mãos de motoristas imprudentes e protegidos por nosso sistema, basta de morte de pedestres e ciclistas no trânsito, isso não é normal e não pode mais ser naturalidade”, salientou a entidade.
O cicloativista Daniel Guth, diretor executivo da Aliança Bike, questionou as regras de trânsito adotadas em vias como a avenida em que Marina foi morta e cobrou responsabilização dos gestores municipais. “Passou da hora de incluir prefeitos e secretários como corresponsáveis pelas mortes no trânsito. Talvez desta forma as coisas mudem. Uma via ampla em declive, sem fiscalização e com limite de 50 km/h não é condizente com a vida. E as blitz da lei seca? Viraram lenda urbana”, escreveu ele no Twitter.
“Importante reforçar: a Av. Sumaré, onde o assassinato ocorreu, não tem uma ciclovia, tem um passeio público compartilhado. Funciona bem para o lazer, mas não para transporte. A Marina não estava, portanto, “fora da ciclovia”. Ela estava onde DEVERIA estar: na rua”, ressaltou Daniel.
O candidato a prefeito de São Paulo, Guilherme Boulos, prestou solidariedade à família. “Marina Harkot, ativista do ciclismo em SP que contribuiu com a construção do nosso programa, faleceu nesta madrugada, vítima de atropelamento quando andava de bicicleta. O motorista covarde fugiu. Minha solidariedade aos familiares e amigos e vamos levar a luta de Marina adiante!”
O também candidato a prefeito e ex-secretário Municipal de Transportes, Jilmar Tatto (PT), afirmou que a cidade perde muito com a morte da cicloativista e pesquisadora. “É com muita tristeza que recebo a notícia do falecimento da Marina Hakort, ciclista muito importante na luta pela mobilidade ativa e igualdade de gênero em São Paulo. Ela foi mais uma vítima da violência no trânsito e perdeu a vida após ser atropelada na noite de ontem”, escreveu.
“Marina foi muito importante na época da criação do Conselho Municipal de Transportes e muito contribuiu com sua tese sobre mobilidade ativa e gênero. Minha solidariedade à família e amigos. A cidade perde muito com sua morte”, completou.
A deputada federal Sâmia Bonfim também prestou solidariedade. “Muito triste com a notícia do falecimento da querida Marina Harkot. Jovem pesquisadora e ativista em defesa da mobilidade urbana, Marina foi vítima da violência no trânsito. Aos familiares, colegas e amigos, expresso meus sentimentos de profundo pesar. Contem comigo na luta por justiça. Marina presente!”, escreveu em rede social.
A cicloativista e candidata a vereadora Renata Falzoni exigiu investigação e punição para os responsáveis pelo atropelamento. “Estamos em CHOQUE com a violência do trânsito de SP que fez mais uma vítima: nossa amiga e colega de luta, Marina Harkot. Exigimos apuração plena do ocorrido e justiça! É inacreditável tanta violência. Nenhuma morte no trânsito é aceitável! Luto total. #NaoFoiAcidente”, escreveu ela.
O advogado presidente da Comissão de Defesa das Pessoas com Deficiência da OAB Ceará, Emerson Damasceno, que passou por um acidente de trânsito e ficou com mobilidade restrita, protestou contra a morte da cicloativista e pesquisadora, além de prestar solidariedade à família. “Marina não teve a oportunidade que eu tive após um atropelamento quase fatal: sobreviver para contar a sua história e lutar contra a violência no trânsito. Até quando teremos que conviver com um trânsito que mata diariamente?”, protestou.
“Ela teria direito a viver sua vida sem ser vítima da violência viária. Mais um Sonho interrompido por um trânsito que mata dezenas de milhares anualmente apenas no Brasil, em dez anos quase meio milhão de pessoas e outros mais com sequelas . Nossos sentimentos à família e amigos”, completou
A jornalista e escritora Milly Lacombe também lembrou de uma história pessoal para cobrar por justiça. “Perdi minha ex-mulher, tb ciclista, atropelada. Quem apoia aumento de limite de velocidade, quem vota em pulha que usa expressões como ‘acelera, São Paulo’, quem acha que regular velocidade é autoritarismo, é cúmplice da barbárie liberal que vê liberdade como conceito individual.”
Respeitar o ciclista é respeitar a vida e também prezar por uma sociedade mais harmônica, mais sustentável e principalmente, mais civilizada. A situação que São Paulo vive atualmente é insustentável, não podemos achar comum uma pessoa morrer porque estava andando de bicicleta.
A ausência dessa visão pelo poder público e, consequentemente, pela sociedade fica evidentes nos números. De janeiro a setembro deste ano, 567 pessoas foram mortas no trânsito na cidade de São Paulo, segundo informações do Infosiga, do governo paulista. Desse total, 24 eram ciclistas.