PIÁ e Vocacional: educadores acusam SMC de ‘desmonte da Cultura’

A gestão do atual prefeito de São Paulo, João Dória (PSDB), vem tomando uma série de medidas que causaram revolta na classe artística da capital paulista, sendo a principal delas o anúncio, feito no início deste ano, do congelamento de 43% da verba destinada à Cultura, o que representa menos de 1% do orçamento total do município.

  • E o que isso tem a ver com a educação infantil?

Na última semana, a Prefeitura de São Paulo comunicou, por meio da Secretaria Municipal de Cultura (SMC), que dois dos maiores projetos de formação artística para crianças do país não teriam seus contratos de trabalho renovados: o Programa de Iniciação Artística (PIÁ) e do Programa Vocacional.

A SMC informou aos mais de 300 educadores e artistas envolvidos no Programa que eles não poderiam dar sequência ao modelo de projetos bianuais, iniciado na gestão Haddad.

Na prática, isso significa que os profissionais não poderão dar continuidade às aulas, afetando as mais de oito mil crianças e jovens atendidos. A alegação é jurídica – a Secretaria justifica que a estrutura do edital não permite recontratação dos mesmos profissionais.  A medida causou indignação também entre pais e mães de alunos beneficiados pelos programas.

Mães e pais de alunos se posicionam contrários à descontinuidade do trabalho iniciado pelos artistas e educadores dos projetos.
Mães e pais de alunos se posicionam contrários à descontinuidade do trabalho iniciado pelos artistas e educadores dos projetos.

  • Voltado para crianças de cinco a 14 anos, o PIÁ é um programa de formação continuada que funciona no contraturno escolar, e tem como objetivo estimular o interesse das crianças pela arte.  Há oito anos, o programa funciona em 32 CEUs da capital paulista, escolas municipais, centros culturais e bibliotecas.
  • Já o Programa Vocacional trabalha com jovens a partir de 14 anos nas linguagens de artes visuais, música, teatro, dança e nas aldeias indígenas. Ambos têm a finalidade de promover a ação e a reflexão sobre a prática artística, a cidadania e a ocupação dos espaços públicos da cidade de São Paulo.

São projetos consolidados na agenda cultural e educacional da cidade, e que vêm há tempos lutando para serem reconhecidos como políticas públicas e terem sua verba garantida. O projeto de lei 461/2016, criado pelo então Secretário de Cultura  Nabil Bonduki, tramita na Câmara para pleitear este direito.

“Os programas constituem a mais extensa e maior ação pública de formação artística não formal da América Latina. Ademais, representam a principal política pública municipal de oferta de espaços e oportunidades de experimentação e criação artística aberta a todos os cidadãos, desde a infância até a idade adulta.” – Descrição do projeto no site da Câmera de São Paulo

A decisão da prefeitura é de suspender o processo de avaliação de continuidade dos projetos, iniciado na gestão de Fernando Haddad (PT), e avançar na lista de credenciados, não recontratando nenhum artista educador que já tenha trabalhado nos programas.

Desde o comunicado, educadores e artistas vêm realizando manifestações em repúdio da administração do atual secretário, André Sturm.

“O Programa Vocacional existe desde 2001. O PIÁ desde 2008. Ambos nunca se tornaram projetos de lei. Ficando à mercê dos interesses de cada diferente gestão da cidade de São Paulo. Ambos são desenvolvidos através de contratos de prestação de serviços de sete a oito meses que são precários e insuficientes”, explica a educadora J.M., que preferiu não se identificar.

Procurada pelo Catraquinha, a Secretaria Municipal de Cultura informou que o PIÁ e o Programa Vocacional continuarão em sua grade de formação, e classificou a não recontratação dos profissionais como uma “renovação do corpo de artistas e orientadores”.

“Em 2016, foi realizada a seleção de profissionais para ministrarem atividades de formação ao longo do ano, por meio do Edital de Chamamento para Credenciamento de Artistas Educadores e Coordenadores Artístico-Pedagógicos do Programa de Iniciação Artística da Divisão de Formação Artística e Cultural.  Estes contratos foram encerrados em novembro e dezembro do ano passado”, afirma a SMC por meio de sua assessoria de imprensa.

Segundo a Secretaria, nos próximos dias, deverão ser convocados cerca de 130 artistas-orientadores, artistas-educadores, coordenadores e articuladores que iniciarão suas atividades nos equipamentos da SMC a partir de abril.

Questionada sobre o porquê de tais projetos não serem reconhecidos como políticas públicas, e também sobre a efetiva importância de iniciativas como estas para a promoção dos direitos da infância de acesso à arte e educação pública, a Secretaria não se manifestou.

A reação da classe artística: “PIÁ e Vocacional resistem”

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Além dos atos que vêm ocorrendo diariamente nas sedes dos projetos envolvidos, artistas e educadores tem tomado as redes sociais com manifestações de indignação. Utilizando as hashtags #PiáeVocacionalresistem e #DescongelaCultura, os trabalhadores prejudicados denunciam a atual decisão da prefeitura como sendo um “desmonte da cultura”.

Para esta segunda-feira, 27, está marcado um novo protesto. A partir das 15h, a Frente Única Descongela a Cultura Já realiza o Segundo Grande Ato pelo descongelamento, em frente ao Theatro Municipal.

Profissionais da educação e das artes em protesto.
Profissionais da educação e das artes em protesto.

Além da descontinuidade dos contratos de trabalho, o Secretário de Cultura André Sturm está sofrendo retaliações também por conta de sua postura, classificada pelos artistas como desrespeito e quebra de decoro, devido à forma como tem recebido as críticas à sua administração. Em resposta ao educador Wellington Braga, ele respondeu para “procurar algo de útil para fazer”.

Diálogo entre o Secretário André Sturm e um dos educadores à frente dos projetos envolvidos.
Diálogo entre o Secretário André Sturm e um dos educadores à frente dos projetos envolvidos.

Na terça-feira, o Secretário afirmou em sua página oficinal no Facebook que foi alvo de atos fascistas, enquanto deixava o prédio da Galeria Olido.

“Ao apontarem o dedo ao outro o acusando de falta de diálogo fazem o quê? Dialogam? Que cidade pretendem construir? Que política cultural querem ajudar a formar? Entendo tais atos como fascistas, autoritários, arrogantes e violentos”, disse. Leia o depoimento completo.

No último dia 23, foi entregue ao Gabinete da SMC uma carta aberta escrita pela artista Carmem Soares.

“Sabe André, há 15 anos que entra governo e sai governo e lutamos para tornar nossos contratos de trabalho mais justos. Agora você me chega e não vai cumprir o edital de 2016 que é bienal e que serve para nos recontratar esse ano? Você irá deixar sem trabalho 336 artistas que estavam e estão esperando por essa contratação? Que criaram expectativas em cima disso, que tem filhos, famílias, uma vida para viver? Que dependem desse trabalho? – Trecho da Carta Aberta, retirado na página do CEU Lajedo, clique aqui para ler o texto na íntegra.

Manifestação “Descongela Cultura”.
Manifestação “Descongela Cultura”.

Educação infantil: que ideal de infância estamos construindo?

“A educação infantil é tão ou mais importante que a universidade”. A afirmação é do educador cubano Guillermo Arias, da Universidade de Havana, em entrevista para a TV Unesp. Mas afinal, o que essa afirmação significa na prática? E, principalmente, que impacto ela tem nas políticas públicas? A sociedade considera a infância uma prioridade?

Para Guillermo, muitas escolas, creches e instituições de ensino infantil ficam restritas a uma função assistencialista e não exploram o verdadeiro potencial da educação, que é a formação de um sujeito pleno, capaz de contestar e transformar.

Na cidade de São Paulo, há diversos projetos com a proposta de oferecer atividades continuadas de formação humanística, que funcionam como um complemento à escola tradicional. Muitos deles estão ameaçados de se extinguir ou reduzir o seu potencial de atendimento e alcance por conta de corte de custos de mais de R$ 2 bilhões anunciada pelo Governo Federal em janeiro deste ano. A Escola Municipal de Iniciação Artística (EMIA), uma instituição com mais de 30 anos de existência, é uma delas.

Desde o início deste ano, a escola vem sendo palco de protestos, por conta do congelamento das verbas por parte da Prefeitura, e a ameaça de corte de um terço do corpo docente. As aulas ficaram suspensas até o anúncio, por parte da Secretaria Municipal de Cultura, de que houve um engano da Câmara, que equivocadamente catalogou a escola na categoria ‘Projetos’, que podem ter sua cota de recursos congelados.

Sobre o impacto do projeto na vida das crianças, o arte-educador Ricardo Mingardi Coelho explica que se trata de perceber o potencial natural da criança para a apreensão da arte.

“É muito importante entender que arte é uma coisa só. Na infância, e fácil perceber essa fusão de linguagens, a criança canta, dança, interpreta e pinta ao mesmo tempo. Então, observando esse comportamento percebemos que isso já é uma forma natural de expressão, ao colocar a criança em convívio com várias formas de arte ao mesmo tempo só estamos potencializando e aceitando o que é natural para elas”.

“Seria um atraso em nossa evolução como sociedade, pois não podemos mais questionar o quanto a arte e importante em nossa formação, é triste pensar que ainda nos tempos de hoje a pensamentos contrários. Simplesmente não querem uma sociedade informada com conteúdo, pois assim fica mais difícil manipular, impor e ditar regras. Difícil saber o que está por vir, mas o que se mostra é uma regressão no que já conquistamos. Sinceramente não vejo perspectivas de melhoras. Pois é preciso uma mudança brusca de pensamentos e valores”, afirma.

Criança empunha cartaz de luta contra a descontinuidade dos projetos PIÁ e Programa Vocacional.
Criança empunha cartaz de luta contra a descontinuidade dos projetos PIÁ e Programa Vocacional.

A onda de conservadorismo que abate a Educação

Em fevereiro deste ano, o governo Temer aprovou a medida que aprova a Reforma do Ensino Médio. O projeto engloba, entre outros aspectos, a desobrigatoriedade do ensino de Filosofia e Artes no currículo básico. Para justificar a Reforma, o governo alega estar amparado em experiências internacionais similares.

Mônica Ribeiro da Silva, coordenadora do Observatório do Ensino Médio, em entrevista ao Centro de Referências em Educação Integral, conta que a reforma curricular fere a autonomia dos projetos pedagógicos de cada escola.

Para ela, não diversificar os conteúdos aos quais o aluno terá acesso é limitá-lo a uma formação meramente voltada para o mercado de trabalho. Ou seja, é dissociar a escola de seu potencial de formação de sujeitos críticos e transformadores da realidade social.

“Você acha que uma cidade pequena do sertão vai ter condições de ofertar os cinco itinerários formativos? Por que o que vem de uma família mais vulnerável não tem direito a saborear um Jorge Amado antes de se embrenhar nos caminhos da educação técnica?”, avalia.

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