OPINIÃO: Ah, se todo mundo ouvisse a Camila, de ‘Amor de Mãe’…
Professora baleada na ficção disse no horário nobre da Globo o que a maioria dos brasileiros passa na vida real...
Na última segunda-feira, 13, foi ao ar uma cena emocionante de Camila (Jéssica Ellen) em ‘Amor de Mãe‘ – trama das 21h da Globo. Na sequência, a professora, que está no hospital desde que levou um tiro na escola onde leciona, pensa em entregar os pontos depois de uma vida toda batalhando e passando por injustiças, preconceito, racismo e machismo.
Sua mãe, Lurdes (Regina Casé), contudo, diz que ela vai superar mais esse baque porque é uma mulher forte. Foi aí que a namorada de Danilo (Chay Suede) iniciou um discurso em tom de desabafo que, se todo mundo estivesse disposto a ouvir alguém que sofre tudo isso na vida real, não há dúvidas de que o mundo estaria bem diferente.
Inidignada, Camila disse: “O problema é esse. Eu vou sempre ter que ser forte? Sempre? Eu tenho que ser forte porque a gente é pobre e eu quero estudar. Eu tenho que ser forte porque eu sou mulher e pra mulher tudo é mais difícil. Tem que aguentar sempre um babaca olhando pro meu peito ao invés de prestar atenção no que eu tenho a dizer. Eu tenho que ser forte porque eu sou preta e a gente vive num país racista. Eu tenho que ser forte porque eu sou professora, porque eu tentei ajudar meus alunos e levei um tiro. Eu tô cansada, mãe! Eu tô cansada de ser forte, mãe. Eu não vou poder ser fraca nenhum dia?”.
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Lurdes, por sua vez, respondeu também com um longo discurso – ainda mais comovente. Um perfeito retrato da realidade da maioria dos brasileiros. Nunca a expressão “você que lute” fez tanto sentido:
“Olha pra mim. Tu vai ter que ser forte. Tu não pode fraquejar. Ainda não dá pra ser fraca. Nesse mundo que a gente vive, não dá. Eu não aguento isso: tudo você tem que ser a melhor, passar em primeiro lugar. Isso me dá raiva. Por que tem quer ser assim? Mas é assim. A gente tem que continuar assim, aproveitando cada chance da vida. Por que tem que estar o tempo todo assim? Porque a gente não é gente, não; a gente é sobrevivente. Ainda mais pra nós, pra mulher, é muito mais difícil. Ainda mais tu, da tua cor. Como eu queria que ninguém te julgasse pela cor da tua pele. Mas ainda não dá. A gente tem que continuar empurrando o mundo, mesmo ele sendo muito pesado, empurrando para ele mudar. Tu virou uma professora. Tá educando um monte de menino. Pra mudar o mundo. E se a gente for bem forte, a filha desse aí que tá na sua barriga vai poder fraquejar. Por enquanto não dá, não, filha”.
Assista à cena completa abaixo:
Não demorou muito para que o público que acompanhava a novela por meio das redes sociais começasse a tuitar elogios a respeito da sequência:
https://twitter.com/josilane_sodre/status/1217047993267953664
https://twitter.com/Faelrfg/status/1217051827587502081
https://twitter.com/m1ltha/status/1217041650058452992
A empatia do público com relação às palavras de Camila podem, sim, ser verdadeiras. Mas cá entre nós, não é bem o que acontece na vida real. Pelo contrário: o que vemos atualmente é uma sociedade cada vez mais intolerante, egoísta, cega e surda para os problemas do próximo. Tanto é que a moça levou um tiro dentro da escola onde trabalha, na periferia do Rio de Janeiro – quer retrato mais fiel da realidade do que esse?
Se na ficção o discurso da professora fez tanto sentido a ponto de deixar muita gente indignada nas redes sociais, por que tal inquietude não ultrapassa as barreiras da telinha do celular e da TV? O fato é que as pessoas gostam de se envolver em determinados assuntos e causas até a página 2. Chorar de emoção, se enxergar em um personagem da ficção é muito fácil e confortável – do ponto de vista do entretenimento.
‘Amor de Mãe’ não é apenas isso. A atual novela do horário nobre veio para dar um chacoalhão no público e mostrar que os dramas das personagens estão mais próximos de nós do que imaginamos. E que se compadecer pelo Twitter pode até ser um primeiro passo, mas não é o suficiente para mudar alguma coisa. Manuela Dias, autora do folhetim, tem causado inquietude em seus personagens para ver se o público se contamina. Será que até o fim da trama ela consegue mudar alguma coisa?