OPINIÃO: Ah, se todo mundo ouvisse a Camila, de ‘Amor de Mãe’…

Professora baleada na ficção disse no horário nobre da Globo o que a maioria dos brasileiros passa na vida real...

14/01/2020 09:17

Na última segunda-feira, 13, foi ao ar uma cena emocionante de Camila (Jéssica Ellen) em ‘Amor de Mãe‘ – trama das 21h da Globo. Na sequência, a professora, que está no hospital desde que levou um tiro na escola onde leciona, pensa em entregar os pontos depois de uma vida toda batalhando e passando por injustiças, preconceito, racismo e machismo.

Sua mãe, Lurdes (Regina Casé), contudo, diz que ela vai superar mais esse baque porque é uma mulher forte. Foi aí que a namorada de Danilo (Chay Suede) iniciou um discurso em tom de desabafo que, se todo mundo estivesse disposto a ouvir alguém que sofre tudo isso na vida real, não há dúvidas de que o mundo estaria bem diferente.

Camila, professora de ‘Amor de Mãe’, comoveu os internautas com desabafo
Camila, professora de ‘Amor de Mãe’, comoveu os internautas com desabafo - Reprodução/Globo

Inidignada, Camila disse: “O problema é esse. Eu vou sempre ter que ser forte? Sempre? Eu tenho que ser forte porque a gente é pobre e eu quero estudar. Eu tenho que ser forte porque eu sou mulher e pra mulher tudo é mais difícil. Tem que aguentar sempre um babaca olhando pro meu peito ao invés de prestar atenção no que eu tenho a dizer. Eu tenho que ser forte porque eu sou preta e a gente vive num país racista. Eu tenho que ser forte porque eu sou professora, porque eu tentei ajudar meus alunos e levei um tiro. Eu tô cansada, mãe! Eu tô cansada de ser forte, mãe. Eu não vou poder ser fraca nenhum dia?”.

Lurdes, por sua vez, respondeu também com um longo discurso – ainda mais comovente. Um perfeito retrato da realidade da maioria dos brasileiros. Nunca a expressão “você que lute” fez tanto sentido:

“Olha pra mim. Tu vai ter que ser forte. Tu não pode fraquejar. Ainda não dá pra ser fraca. Nesse mundo que a gente vive, não dá. Eu não aguento isso: tudo você tem que ser a melhor, passar em primeiro lugar. Isso me dá raiva. Por que tem quer ser assim? Mas é assim. A gente tem que continuar assim, aproveitando cada chance da vida. Por que tem que estar o tempo todo assim? Porque a gente não é gente, não; a gente é sobrevivente. Ainda mais pra nós, pra mulher, é muito mais difícil. Ainda mais tu, da tua cor. Como eu queria que ninguém te julgasse pela cor da tua pele. Mas ainda não dá. A gente tem que continuar empurrando o mundo, mesmo ele sendo muito pesado, empurrando para ele mudar. Tu virou uma professora. Tá educando um monte de menino. Pra mudar o mundo. E se a gente for bem forte, a filha desse aí que tá na sua barriga vai poder fraquejar. Por enquanto não dá, não, filha”.

Assista à cena completa abaixo:

Não demorou muito para que o público que acompanhava a novela por meio das redes sociais começasse a tuitar elogios a respeito da sequência:

https://twitter.com/josilane_sodre/status/1217047993267953664

https://twitter.com/Faelrfg/status/1217051827587502081

https://twitter.com/m1ltha/status/1217041650058452992

A empatia do público com relação às palavras de Camila podem, sim, ser verdadeiras. Mas cá entre nós, não é bem o que acontece na vida real. Pelo contrário: o que vemos atualmente é uma sociedade cada vez mais intolerante, egoísta, cega e surda para os problemas do próximo. Tanto é que a moça levou um tiro dentro da escola onde trabalha, na periferia do Rio de Janeiro – quer retrato mais fiel da realidade do que esse?

Se na ficção o discurso da professora fez tanto sentido a ponto de deixar muita gente indignada nas redes sociais, por que tal inquietude não ultrapassa as barreiras da telinha do celular e da TV? O fato é que as pessoas gostam de se envolver em determinados assuntos e causas até a página 2. Chorar de emoção, se enxergar em um personagem da ficção é muito fácil e confortável – do ponto de vista do entretenimento.

‘Amor de Mãe’ não é apenas isso. A atual novela do horário nobre veio para dar um chacoalhão no público e mostrar que os dramas das personagens estão mais próximos de nós do que imaginamos. E que se compadecer pelo Twitter pode até ser um primeiro passo, mas não é o suficiente para mudar alguma coisa. Manuela Dias, autora do folhetim, tem causado inquietude em seus personagens para ver se o público se contamina. Será que até o fim da trama ela consegue mudar alguma coisa?