De onde vem a carne que você come no dia a dia?
A pecuária envolve uma extensa e complexa cadeia produtiva, que impacta os animais, o meio ambiente, os pequenos produtores e o consumidor final
Até chegar ao destino final, a mesa da sua casa, a carne passa por uma extensa cadeia produtiva que é pouco conhecida pelas pessoas de forma geral. Entender as etapas de produção desse alimento é importante, pois esse percurso está estritamente relacionado à qualidade do produto e aos impactos na sua saúde e no meio ambiente.
Segundo o engenheiro agrônomo Fernando Sampaio, diretor executivo na Estratégia Produzir, Conservar, Incluir (PCI), a pecuária é uma das cadeias mais complexas porque está presente em praticamente todas as regiões e municípios do país. Além disso, é amplamente disseminada, já que o boi se movimenta, ou seja, sai de uma fazenda e vai para outra.
Para o especialista, há dois grandes desafios do Brasil para aliar essa produção à sustentabilidade. “Primeiro, melhorar a eficiência porque, embora isso tenha acontecido nos últimos anos, ela precisa ser democratizada, uma vez que há poucos produtores que são muito eficientes”, reflete.
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“Outro desafio é o do desmatamento: de um lado você tem o poder público, que tem o papel de controlar o desmatamento ilegal, e, do outro, o setor privado, que precisa saber de quem está comprando aquela carne”, continua.
Nesse sentido, a rastreabilidade da carne, apesar de difícil de controlar, é algo fundamental para a produção sustentável. “A rastreabilidade é a capacidade de você seguir um animal ao longo de sua vida e saber quem era o responsável por ele em todas as etapas”, descreve o engenheiro agrônomo.
Atrelado à rastreabilidade do alimento, o Programa de Produção Sustentável de Bezerros, desenvolvido no Brasil pela Iniciativa para o Comércio Sustentável (IDH) desde 2018, com o apoio do Grupo Carrefour Brasil, segue um protocolo socioambiental. “Além de saber o caminho que essa carne percorreu na produção, você garante que nele não houve desmatamento, que esse boi não passou por terras indígenas e que não teve trabalho escravo envolvido”, afirma Fernando.
A Catraca Livre conversou com o diretor executivo para explicar os impactos da produção sustentável na pecuária e também trouxe a visão de dois especialistas, a chef Larissa Morales e o cozinheiro Thiago Gonçalves, com o objetivo de mostrar a importância desse processo para a qualidade da carne que consumimos no dia a dia.
Fernando Sampaio: ‘produzir, conservar e incluir’
O projeto de produção sustentável de bezerros é realizado no berço da pecuária, no norte do Mato Grosso e em Rondônia. Para isso, foram mapeadas cerca de 450 propriedades pertencentes à iniciativa, que receberam auxílio de forma gratuita para que pudessem tornar sua produção sustentável.
Esses locais contam com acompanhamento de profissionais de diversas áreas, como agrônomos, advogados e veterinários, que dão dicas relacionadas a questões técnicas como a produtividade, inibindo a questão do desmatamento pelo fato de produzir corretamente na sua área – utilização de sementes ideais até a regularização de documentação.
Atualmente, essa carne – rastreada desde o nascimento do bezerro até as gôndolas – está sendo vendida em uma loja do Carrefour, localizada em Interlagos, zona sul de São Paulo. A ideia é ser um produto com preço acessível, desmistificando o fato de que a produção sustentável é mais cara para o consumidor final.
Essa cadeia produtiva sustentável também ajuda na inclusão social dos pequenos produtores. “A PCI (Produzir, Conservar e Incluir) foi lançada em 2015 para juntar esforços públicos e privados. A partir dela, nós definimos uma visão de futuro para o Mato Grosso de que dá para produzir mais sem desmatamento, conservar o que temos de ativos ambientais e criar mecanismos de incentivo para pequenos produtores, como a agricultura familiar e as comunidades indígenas”, ressalta o engenheiro agrônomo Fernando Sampaio.
“De um lado, você tem o governo. De outro, empresas como o Carrefour que, quando investem em suas cadeias produtivas, automaticamente estão ajudando o estado a atingir suas metas e reduzindo os riscos socioambientais”, completa. “A lógica da exclusão não resolve, mas sim, da inclusão. Precisamos de um esforço para trazer os produtores para dentro do desenvolvimento.”
Os impactos da produção sustentável não se limitam aos pequenos produtores e ao meio ambiente. O bem-estar dos animais, em relação à nutrição e sanidade, é outro tema que precisa ser trabalhado para o produtor ter eficiência e oferecer ao consumidor uma carne de melhor qualidade.
Ainda de acordo com Fernando Sampaio, o consumidor tem papel fundamental nessa cadeia porque é ele quem cobra e demanda das empresas uma maior responsabilidade socioambiental.
“Principalmente entre os jovens, essa preocupação do ambientalmente correto é uma tendência de mercado e está na cabeça dos consumidores e dos compradores, tanto daqui como de fora do país. O consumidor acaba dando preferência por comprar de uma empresa que tem esse papel na cadeia de produção.”
Larissa Morales: ‘a qualidade da carne é muito superior’
Chef, assadora, youtuber e empresária. Assim se define Larissa Morales, criadora do Larica na Brasa. Formada em Gastronomia e no curso de Apresentadora de Programas de TV, ela se especializou em carnes há sete anos e, desde então, atua nesse nicho e promove workshops, eventos e treinamentos.
A relação de Larissa com a carne começou na pré-adolescência, aos 12 anos de idade. Como o churrasco sempre fez parte de todas as comemorações de sua família, a chef passou a comandar esses momentos. Após a faculdade, ela estudou por conta própria, comprou livros e continua buscando conhecimento a respeito do tema até hoje. “Tive oportunidade de conhecer vários frigoríficos para entender todos os processos desse alimento, desde o abate até quando a carne chega à mesa”, relata.
Como afirma a empresária, saber a origem da carne e dos demais ingredientes tem se tornado cada vez mais importante para o consumidor. “Estamos voltando um pouco no tempo dos nossos avós, em que eles mesmos produziam o gado e plantavam, dedicando tempo e carinho. Você sabe como foi feito cada item e, hoje em dia, as pessoas buscam por isso”, diz.
O consumidor tem acesso à certificação na própria embalagem no supermercado, como aquela que atesta que o produto é orgânico, sustentável e de qualidade. E isso faz total diferença no resultado final do prato. “O alimento de um produtor que pensou no bem-estar animal, em sua alimentação, no pasto, vacinas, medidas de segurança e na parte do abate é muito superior ao de alguém que não teve esse cuidado”, pontua.
“Até na hora de colocar no forno essa carne com qualidade será mais fácil de assar, ficará melhor, mais bonita e suculenta, em comparação a uma carne sem qualidade, que pode ficar dura e não ter um sabor agradável”, explica a assadora.
Ao sair para fazer compras, Larissa verifica uma série de características para escolher a carne. A primeira que observa é a embalagem: se não tem nenhum problema com ela, como estar violada, ou se há líquido dentro do plástico, que seria a exsudação — quando a carne perde muito líquido porque sofreu algum tipo de problema no transporte ou na temperatura e acabou deixando de lado o contato com o suco interno.
A embalagem também precisa conter as datas de fabricação e vencimento. É importante, ainda, analisar a camada de gordura. “Se você comprar uma picanha, por exemplo, tem que ter essa camada de gordura uniforme”, finaliza.
Thiago Gonçalves: ‘valorizar pequenos produtores e comprar produtos frescos’
Para o cozinheiro e publicitário Thiago Gonçalves, de 29 anos, saber a origem da carne que compra para seu negócio ou que consome em casa é de extrema importância. Idealizador do Laricas, que vende “rangos sinceros” por meio do Instagram, o paulistano traz dois pontos relacionados a essa questão.
O primeiro deles é valorizar os pequenos produtores ao saber que quem produziu esse alimento são pessoas e não algo apenas mecânico, em escala industrial. “Muitas vezes, não deixam claro os processos pelos quais produtos passam até chegar na nossa mesa, principalmente quando se trata de carne”, afirma. Já a segunda preocupação é a escolha por comprar em locais que tenham produtos frescos.
A gastronomia está presente desde sempre na vida do cozinheiro, influenciado pelos avós e almoços de família. Mais tarde, Thiago começou a aprender coisas básicas na cozinha e, junto com a namorada Beatriz, criou o Laricas, inicialmente como um perfil no Instagram para registrar os restaurantes que conheciam em São Paulo.
Depois de adquirir mais visibilidade e confiança, decidiu vender alguns pratos por meio da rede social, na qual inclui cardápios que mudam a cada semana, buscando aproveitar ingredientes da época.
Para cozinhar os “rangos” encomendados pelo Laricas, Thiago costuma comprar carnes em locais confiáveis em relação à procedência do produto. “Às vezes, um estabelecimento pode ter um preço mais em conta, porém prefiro optar por lugares que conheço e sei quem está por trás do processo”, diz. Então, prioriza as características físicas da carne, como aparência e porcentagem de gordura, e o prato em que vai usá-la para ver se está de acordo com o que precisa.
Segundo o cozinheiro, a qualidade interfere tanto no resultado final do prato, como na diferença do sabor e textura, quanto na produção, o que é relacionado diretamente ao aproveitamento desse alimento. “Por exemplo, uma carne fresca, que tenha sido manuseada de forma correta, apresenta um aproveitamento muito maior do que uma carne que não tenha sido conservada apropriadamente.”
Como dica para o consumidor identificar a qualidade desse ingrediente, Gonçalves revela que o modo mais simples é se atentar aos certificados que encontramos em alguns produtos comercializados, nos quais há informações sobre a forma como o animal foi criado. Outro caminho, complementar ao primeiro, é procurar se informar a respeito dos frigoríficos e criadores para entender melhor o processo que a carne percorre até a nossa mesa.