10 relatos de moradores do ES após uma semana de greve da PM

10/02/2017 16:45

Moradores do Espírito Santo conversaram com o Catraca e deram seus relatos
Moradores do Espírito Santo conversaram com o Catraca e deram seus relatos

Nesta sexta-feira, 10, completa uma semana desde que a Polícia Militar do Estado do Espírito Santo entrou em greve. Os números são assustadores (113 pessoas foram assassinadas) e as palavras, também.

Mais uma vez, o Catraca Livre ouviu 10 moradores do Espírito Santo que, alarmados com o caos que se instaurou no estado, compartilharam conosco suas experiências, sensações e aflições nos últimos dias de “confinamento”. Quando a greve começou, estas mesmas pessoas relataram para nós suas primeiras impressões do caso. E, de lá para cá, pouca coisa mudou.

Alguns ainda não conseguiram encostar os pés fora de casa. Outros relatam o medo de enfrentar uma fila de 3 horas no supermercado, para conseguir garantir uma quantidade razoável de mantimentos. Mas uma coisa é certa: o sentimento de impotência está presente em todos.

  • Kliffton Viana, 26 anos, advogado
    “Uma semana depois, alguns novos personagens surgiram. Mais cenas de violência. Porém, em meio a elas, o simbolismo do exército, da guarda nacional e da guarda municipal tentou colocar tudo em ordem. Predominantemente, no entanto, continuamos em casa, apesar de nesses dias ter surgido a possibilidade de pelo menos ir à padaria e fazer um estoque no supermercado. Minha mãe continua com o bar fechado todos esses dias. Apenas hoje voltei ao escritório em horário reduzido, porque não sabemos se na segunda, dia 13, terá expediente no Tribunal de Justiça, ficando essa insegurança quanto a nossos prazos. Ou seja, nossa rotina continua conturbada. Quanto aos novos personagens, cabe ainda dizer que os policiais militares assumiram o movimento, retirando das mulheres a ”espontaneidade” do movimento. O governador licenciado voltou, mas aparentou num primeiro momento não estar tão por dentro da situação, cedendo a voz para o ‘Secretário de Insegurança’ que aumenta a sua impopularidade pela demonstração de arrogância governamental. O povo então está no meio dessa quebra de braço entre o governo e os policiais militares. Ontem tínhamos esperanças de ter ocorrido um acordo, porém virou a madrugada com a notícia de que mais essa tentativa não foi bem sucedida. Não sei mais o que esperar, a vontade era de viajar, ir para um lugar tranquilo. Estamos aqui impotentes.”

  • Annie Caiado, 25 anos, advogada
    Hoje, dia 10, a greve dos policiais militares está fazendo uma semana. E nunca imaginei que fosse ver algo assim nas ruas do Espírito Santo, pra quem conhece aqui sabe que aqui é lugar tranquilo, temos a nossa violência, lógico, afinal, esse é um mal do nosso país, mas é – era – controlado, tínhamos tranquilidade pra fazer as nossas atividades normalmente. Vitória já foi classificada, diversas vezes, como uma das cidades com melhor qualidade de vida, e realmente é/era. O trânsito não é insuportável, cidade litorânea com montanhas a meia hora de distância… mas tudo isso virou de cabeça pra baixo. Até domingo a população ainda vivia com uma certa tranquilidade, porque muitos não tinham dimensão, mesmo com a greve. Porém, na noite desse mesmo dia o caos geral foi instaurado e o medo tomou conta de todos. Hoje é a primeira vez que saio de casa, e só pra abastecer o carro – que por sinal, estamos ficando sem gasolina, vários postos já estão fechados, já que o abastecimento não consegue chegar, e ainda com uma suposta paralisação do frentistas, por causa da falta de segurança. No que eu fui, por exemplo, só tinha aditivada e o frentista disse que já está no final, que daria somente mais uma hora de funcionamento e que estavam com muito medo de trabalhar. Minha mãe teve que ir ao hospital, porque estava passando muito mal, e mesmo lá estava em situação delicada, as pessoas não conseguem chegar ao trabalho, e eles estão sem pessoal. Tivemos que ir ao supermercado, a comida já estava no final e ficamos com medo, já que não tinha previsão (com os dois lados brigando numa queda de braço), quem foi aqui de casa, ficou quase 3 horas no supermercado, as pessoas literalmente estocando comida, parecia cena de série apocalíptica. Enfim, ficamos dentro de casa, todos esses dias, com medo, vários boatos circulando, o que aumentava ainda mais o medo e a sensação de impotência. Agora, apesar de tudo isso temos demonstração de bravura por parte da nossa Guarda Municipal de Vila Velha, que passou pelas ruas mostrando serviço e informando um número para ligarmos em caso de necessidade. No meu prédio, por exemplo, estamos com “toque de recolher”, às 20h trancamos a garagem com cadeados, o porteiro é tirado da guarita, para a segurança dele, e vai pra dentro da garagem e ninguém sai e nem entra. Eu só imagino como não deve estar em outras localidades, porque isso é em área nobre, a população de outros bairros, com certeza, sofre muito mais, e é essa a minha preocupação. Mesmo com o exército nas ruas a sensação de insegurança não passou, os saques não pararam, os relatos de violência continuam. Hoje já tem algumas pessoas circulando nas ruas, porque ninguém aguenta esse confinamento, mas MUITO longe do fluxo normal, as lojas ainda não abrem, não estou trabalhando ainda e continuamos assim, com todos em casa antes de escurecer. Eu não sei mais o que pensar dessa situação toda, não sei qual seria a solução certa, medo desse movimento se espalhar pelo país, estamos vivendo uma situação política muito complicada, em contexto nacional, pra termos uma crise tão séria como essa em mais estados, simplesmente preocupante. Entendo o lado da PM, entendo do governo… mas nós, população capixaba, precisamos de uma decisão, e URGENTE!

  • Lais Lorenzoni, 26 anos, jornalista e fotógrafa
    “Estou há cinco dias confinada. Como moro em uma casa e é onde tenho minha empresa também, deixei meus equipamentos de fotografia e o carro no apartamento de um amigo, pois meu vizinho teve a casa invadida. Estamos vivendo uma guerra civil no espírito santo. Para ir ao mercado ou a única padaria do bairro que está abrindo vamos em grupo e os homens vão primeiro ver se está tudo bem, voltam e nos buscam. Nós mulheres estamos com medo de morrer e de sermos estupradas na rua. A polícia militar e civil está em greve. A Força Nacional está aqui, mas eles não são suficientes para conter. As pessoas estão saqueando lojas, entrando e pegando televisões, celulares, tablets, e andando no meio da rua com uma TV imensa. E não é só gente mais pobre não, muito morador de bairro nobre está aproveitando e roubando junto. Já foram contabilizados mais de cem mortes. O DML está lotado, ficam corpos decompondo na rua à luz do dia. Me sinto como se estivesse vivendo esses ataques zumbis que vemos nos filmes. E o mais assustador é o nosso governador não aceitar acordos. Como se as pessoas que estão morrendo todos os dias não valessem nada. Passam tanques de guerra por nossas ruas, homens armados do exército e homens armados da população. O morro manda avisos para nós através da internet, do tipo ‘não saia de casa, quem estiver na rua vai morrer hoje’. Eles atacam à noite e durante o dia só roubam. Podemos ir ao mercado, que está super lotado, todos estão fazendo estoques de comida em casa.”

  • Felipe Costa, 26 anos, bartender
    “Hoje completamos uma semana de cão e de lá pra cá pouca coisa mudou. Os militares chegaram ao estado, mas os crimes continuam a acontecer. É uma verdadeira barbárie, são mais de 100 mortos. Todos esses dias trancados em casa nos traz uma sensação de vulnerabilidade, não temos a mínima ideia de quando as coisas vão se normalizar. Ontem vi uma cena de filme no supermercado, todos fazendo estoques de mantimentos, muito produtos em falta nas prateleiras e filas com espera de mais de duas horas. Nosso governo é incapaz de negociar e do outro lado um protesto legítimo, mas articulado sem empatia. Não há o que fazer.”

  • Priscilla Couto, 25 anos, assessora jurídica
    “Essa semana inteira não fui trabalhar, porque no órgão público em que trabalho não teve expediente. A sensação de insegurança permanece, mas o clima está diferente. A população parece ter finalmente cansado de se manter refém e resolveu ir para rua. Os quiosques da praia estão movimentados, pessoas conversam e bebem cerveja e o movimento nas ruas aumentou consideravelmente. A Guarda Municipal da minha cidade (Vila Velha) tem feito um trabalho excelente, deixando as pessoas orgulhosas e contribuindo muito para, aos poucos, a rotina ir voltando ao normal. A presença do exército nas ruas ainda é estranha e muitos reclamam que ela só existe nos bairros de elite. Talvez em parte isso seja verdade, apesar de ontem à noite um desses carros blindados do Exército ter feito ronda no meu bairro, que é de periferia. O que consigo perceber é que a população está dividida entre apoiar a posição do governo e a posição da PM. Ao meu ver, ambos os lados estão equivocados, mas nosso Executivo mais uma vez dá mostras de que não é aberto a diálogos e sustenta essa posição com alto custo.”

  • F. (não quis se identificar)
    “Estamos vivendo em um confinamento dentro das nossas próprias casas durante uma semana, a população continua assustada, ninguém aguenta mais isso tudo. Medo de ir até na esquina de casa, na única farmácia aberta no bairro, é difícil até de dormir, qualquer barulho já gera medo. Sem contar nas filas gigantescas nos supermercados e já na falta de alimentos. Isso precisa cessar, o ES precisa de paz, essa situação é absurda. Toda reivindicação é legítima, mas isso já virou palhaçada. O governo e as mulheres dos PMs têm que chegar a um acordo, o que não dá mais é a população ficar refém disso tudo.”

  • Emanuelle Carneiro, 25 anos, bióloga
    Olha, não posso falar pelo estado inteiro. No meu bairro está mais tranquilo e o comércio está voltando aos poucos. Mas é só nessa região próxima à minha residência. Se estiver acontecendo algo de grave em outros bairros próximos, eu não estou tendo acesso a informações. Aqui eu saio às vezes sim, o comércio está voltando aos poucos, em horários diferentes (das 8h às 16h, mais ou menos).

  • Thays Nolasco, 25 anos, empresária
    Essa semana foi simplesmente apavorante, o medo de sair às ruas, ficar preso em casa, sair somente para ir ao supermercado com único intuito, comprar comida para estocar, já que a cada amanhecer nada de uma notícia boa tanto por parte do estado como por parte dos PM. Com a chegada do exército e da força nacional um pouco de paz foi instaurado, mas infelizmente essa sensação não foi permitida a todos, já que somente em alguns bairros tiveram a sua presença. Aos poucos têm chegado mais homens de ambas instituições (não tenho certeza se são instituições, rs). Diante do mínimo de segurança decidi abrir meu negócio, pois infelizmente as contas chegaram e não sei como farei para honrar com todos os meus compromissos, com funcionários, aluguel, impostos e outros. E não haverá isenção de nenhum desses mesmo com toda essa situação e o meu maior medo é me ver obrigada a fechar algo que tanto desejei, sonhei e lutei. Creio que todos os empresários do ES esteja passando pelo mesma situação. Onde serão obrigados a dispensar funcionários no intuito de se manterem ao menos vivo. Trazendo assim maiores índices de desemprego, se tornando uma grande bola de neve. Hoje dia 10/02 a situação se encontra um pouco melhor, mas somente do durante o dia conseguimos fazer determinadas coisas, ao anoitecer todos vão para sua casa e as ruas ficam desertas, parecendo um toque de recolher. Nessa briga entre estado e PM quem esta sendo prejudicado são os cidades de bens e infelizmente não vemos nenhuma luz de quando isso acabará e iremos poder nossas vidas normais novamente. Enquanto isso vivemos da forma que da, como se tivéssemos a sobreviver a cada dia e sem esperança de um fim para esse horror.

  • Flávia Girundi Martins, 25 anos, arquiteta
    “Acabei de reler o primeiro depoimento que dei e nem parece que foi há só 4 dias. De lá pra cá a minha opinião sobre a greve já mudou várias vezes, e os meus sentimentos em relação a isso tudo também. Na segunda-feira, apesar de já estar sabendo da greve, já ter visto videos horríveis e já estar com medo acho que ainda não tinha caído a ficha completamente, sabe? Os sentimentos agora vão muito além de medo, já senti raiva, tristeza, e até mesmo culpa. Sim, culpa, por ter meus privilégios nessa sociedade tão desigual, por estar aqui reclamando literalmente de barriga cheia enquanto mais de 100 pessoas já morreram. Como se ‘só’ a prisão domiciliar gratuita já não fosse o suficiente pra alguém ficar mal. É como se mesmo sem querer eu esteja contribuindo um pouco pra essa violência toda. Afinal, a gente sabe que a real causa da violência não é bem a falta de policiamento. Mas enfim, mesmo deixando essas reflexões à parte e pensando na situação com um pouco mais de frieza, não consigo pensar no que poderia ter sido feito para evitar essa situação e o que pode ser feito agora para resolver. Estamos no meio de uma guerra de egos entre o governo e a PM. Chega a ser uma atitude infantil, na minha opinião, nenhum lado quer ceder, só estão vendo quem aguenta mais. E enquanto isso a população continua sofrendo e tentando tomar coragem pra seguir a vida normalmente. Eu ainda não consegui.”

  • Jamile Bernardes Martins, 25 anos, médica
    “Pra mim, os efeitos da greve da PM começaram no domingo. Tinha passado o fim de semana em casa, e por volta das 20h meu telefone começou a tocar sem parar. Mil vídeos, mensagens, notícias, familiares checando se eu estava trancada em casa. Entrei em pânico, não dormi à noite. Saí de madrugada na segunda-feira pra fazer um plantão no sul do estado e passei por estabelecimentos fechados com vidraças quebradas, ruas vazias, um corpo estirado na frente de um shopping. Difícil explicar a sensação de medo, desamparo e inquietude que tomou conta de mim. Dirigi tensa, com medo de ser abordada, sem conseguir achar um posto pra abastecer o combustível do carro. Durante o plantão, vi o desespero chegando às cidades menores. A população de lá achava que a crise estava restrita à capital, mas no meio da tarde começaram a chegar pacientes agredidos, notícias de assaltos e saques e de gente exibindo armas no centro da cidade (Cachoeiro de Itapemirim). Quando voltei a Vitória, me tranquei. Moro num bairro estritamente residencial, com vista pra uma comunidade pacífica, me senti mais segura. Na quarta-feira ouvi tiros na rua. Na quinta, fui ao supermercado pra estocar o que pudesse e não ter mais que sair. Todos da cidade tiveram a mesma ideia. As filas eram enormes, as prateleiras estavam esvaziando. Voltei pra casa, não saí mais. Nos últimos dois dias, vi alguns carros da Polícia Civil circulando, sirenes ligadas, no meio da noite. Olho as notícias várias vezes ao dia, esperando o acordo, a resolução do problema. Até agora, nada. Da varanda, hoje, vi um pouco mais de movimento nas ruas. Sinto que as pessoas estão se adaptando ao caos, tentando voltar a viver, mesmo com tanto terror.”