E se desdenhássemos da saúde física como fazemos com a mental?

Um vídeo produzido pela ATTN e traduzido pela Academia do Psicólogo está confrontando o pensamento de muitas pessoas sobre a seriedade dos efeitos dos males da mente, como depressão e ansiedade.

Vídeo traz frases que muitas pessoas usam para tentar ‘ajudar’ quem sofre com problemas que afetam a saúde mental, mas que no final atrapalham
Créditos: Getty Images
Vídeo traz frases que muitas pessoas usam para tentar ‘ajudar’ quem sofre com problemas que afetam a saúde mental, mas que no final atrapalham

“E se falássemos sobre Saúde física os absurdos que falamos sobre saúde mental?” (na tradução para o português) traz frases que muitas pessoas usam para tentar ‘ajudar’ quem sofre com problemas que afetam a saúde mental sendo usadas como argumentos para evitar que alguém reclame de problemas sentidos fisicamente.

O Catraca Livre entrevistou a psicóloga Daiana Rauber, da Academia do Psicólogo, para entender o motivo de, muitas vezes, não darmos a devida atenção à saúde mental.

Assista ao vídeo e, em seguida, leia a entrevista na íntegra:

Catraca Livre: Por que as pessoas acham que usar frases como a do vídeo pode ajudar quem sofre com depressão, ansiedade ou outros problemas que afetam a saúde mental?

Daiana Rauber –Não somos educados a lidar com as nossas emoções ou falar de saúde mental.
Uma forma bacana de pensar sobre isso é perguntar a uma criança de 10 anos o que ela deve fazer se estiver com gripe. Certamente ela falará sobre tomar vitamina C, uma sopinha, descansar bastante… algo nesse sentido. Ela tem noção do que fazer. Mas, se perguntarmos para um adulto de 30 anos o que fazer se estiver com depressão, ansiedade ou como lidar com as suas emoções, as chances de ele não saber o que fazer são muito grandes!!!
Essa é uma analogia que ouvi de uma pessoa com depressão, mas leiga no assunto. Nós, profissionais da psicologia, ainda temos uma tendência de complicar os discursos em torno disso. E ninguém consegue cuidar da sua saúde ou ajudar alguém sem saber como. Daí o trabalho da Academia do Psicólogo, que iniciou com o Bruno Soalheiro em 2014, para transformar a forma com que a psicologia e a saúde emocional são percebidas e divulgadas.
Já estamos avançando na disseminação das informações com ações que sejam simples, engraçadas, mas que conversem com as pessoas. Um exemplo é esse vídeo, que está fazendo muita gente refletir, outro são essas publicações para divulgar como o psicólogo pode contribuir objetivamente para melhorar a vida das pessoas: http://academiadopsicologo.com.br/campanha-divulgacao-da-psicologia

Por que e como essas frases são mais prejudiciais que benéficas?

A saúde mental não é tão aparente como a saúde física, mas isso não significa que ela não seja real. A psicologia é uma ciência tão séria como qualquer outra e os problemas relacionados a ela também.
É só pensar no que aconteceria se você realmente quebrasse o braço e alguém dissesse que “você não está se esforçando o bastante”, que “precisa olhar para o lado positivo” ou coisas do tipo. A coisa só se agrava.
Se você tem alguma dor de dente, vai ao dentista, certo?! Se você começasse a ficar com dores na coluna, procuraria um ortopedista, certo?! Pois quando temos dificuldades em lidar com as emoções no dia a dia, com as pessoas com quem nos relacionamos, ou até mesmo com os próprios pensamentos e sentimentos, deveríamos procurar um psicólogo.
Fingir que isso não existe ou que você não precisa de ajuda é como fingir que você não está com, por exemplo, um câncer. Não é brincadeira. E também não há nada de errado, feio ou inferior nisso, muito pelo contrário. Se quiser ser uma pessoa mais feliz e lidar melhor com os sofrimentos procure um psicólogo.

Por que é tão difícil para nós entender que doenças mentais são realmente um problema e não apenas “frescura” ou uma forma de tentar chamar atenção?

Existe um estigma muito grande em torno da psicoterapia e das questões de saúde mental, mas não há mistério nisso e podemos reduzir um pouco dessa “aura misteriosa” em torno do que faz um psicólogo, por exemplo. Psicólogo não lê mentes, não é mágico, não é coisa pra doido. O psicólogo é um profissional com a preparação necessária para construir, junto com você, um caminho de desenvolvimento e crescimento pessoal.
Ou então, quando falamos que “isso é coisa da sua cabeça”. Sim, da sua cabeça e do seu cérebro, esse órgão que controla TODO O SEU SER. Então, merece sim a devida atenção.
Na Inglaterra há uma campanha muito forte em torno disso chamada “Heads Together” e no Brasil, recentemente a campanha Janeiro Branco, também com a intenção de sensibilizar as pessoas para o tema. E o assunto é MUITO sério. No mundo, segundo a OMS, há 450 milhões de pessoas que sofrem com alguma questão de ordem psicológica e 66% NÃO RECEBEM o tratamento adequado, seja por falta de informação ou por preconceito e as consequências são bastante sérias. É importante falar que é possível sim viver uma vida mais leve, mais alegre, mais saudável.

Como podemos mudar essa mentalidade, estar atentos aos sinais de depressão e ajudar efetivamente quem precisa?

Acredito que num primeiro momento, seja informação adequada e de qualidade. Diversos psicólogos estão contribuindo com isso e vou usar aqui uma das premissas da Academia do Psicólogo: “No ‘inconsciente coletivo’ somos fortemente associados à ideia de loucura, desajuste e falta de equilíbrio. E é isto o que faz com que as pessoas tenham vergonha ou até evitem ir ao psicólogo. Precisamos mostrar que psicologia também é crescimento e desenvolvimento, e que não é preciso estar mal para se beneficiar dela”.
Mas, isso não precisa ser feito só por profissionais. Cuidar das emoções, estar aberto ao assunto, divulgar informações de qualidade e estimular as pessoas que estejam com um problema ou que queiram aprender a lidar melhor com os seus sentimentos, pensamentos e comportamentos a procurar um psicólogo é um grande passo.