‘Gerenciar os sintomas do transtorno bipolar é uma luta diária’
Executiva de marketing relata à Catraca Livre como foi descobrir-se com o transtorno mental em plena ascensão profissional
Dyene Galantini sempre foi muito dedicada à carreira. Publicitária por formação, ela trabalhava em uma grande empresa de marketing como executiva quando percebeu que algo não ia bem. Os momentos de euforia e produtividade inesgotáveis se alternavam com os períodos depressivos. O diagnóstico veio seis meses depois: transtorno bipolar.
“O nome bipolar vem disso: seu nível de energia transita em dois polos extremos”, diz Galantini. “A depressão te deixa num estado letárgico, sem vida ou interesse de fazer coisas de que gostamos. A mania nos dá uma grande vitalidade, força criativa, redução da vontade de dormir”, explica.
Depois de estudar muito sobre sua condição de saúde, a executiva aderiu a todo tipo de tratamento que pudesse ajudá-la a viver bem, o que incluía psicofármacos, meditação, exercício, alimentação saudável, psicoterapia, convívio social e espiritualidade.
- Cintia Abravanel expõe releitura de árvore de Natal no Terminal Pinheiros, em São Paulo
- Beber água na garrafa de plástico aumenta a pressão? Veja o que diz a ciência
- 3 destinos incríveis para viajar em março no Brasil e aproveitar muito
- Falta de higiene bucal pode aumentar risco de câncer de cabeça e pescoço
Durante o tratamento, Galantini precisou se afastar do trabalho em duas ocasiões, por duas semanas.
Em 2017, dois anos após a descoberta do diagnóstico e com a doença já estabilizada, ela resolveu assumir o risco de expor sua condição publicamente e lançou o livro “Vencendo a Mente: Como Uma Executiva de Sucesso Superou o Transtorno Bipolar”.
A ideia dela era ajudar a quebrar estigmas relacionados a pessoas com transtornos mentais e incentivar a neurodiversidade em ambientes corporativos. “As pessoas que superaram a doença sentem tanto medo de serem ridicularizadas e estigmatizadas, que a mantêm em segredo”, diz. “E nós perdemos exemplos, referências e imagens de recuperação”.
Confira o relato dela na íntegra:
“Parece que foi ontem que escutei de um clínico geral o diagnóstico de depressão. Ele estava equivocado, e foi logo no início que tive a minha primeira lição: o autoconhecimento é essencial para o sucesso do tratamento. Conhecer o nosso corpo, nosso comportamento, nossa linha base, nos torna perspicaz para entender quando tem algo de errado.
Em minha consulta, não tinha pleno entendimento da complexidade dos meus sintomas pois na fase eufórica (maníaca), me sentia ótima. Minha produtividade era sempre alta, achava que sono era perda de tempo e sempre falei muito rápido. Não são comportamentos que prejudicam, muito pelo contrário, são aceitáveis socialmente. Mas minha família e amigos próximos me alertaram sobre meus excessos e eu não escutei.
O nome bipolar vem disso: seu nível de energia transita em dois polos extremos. A depressão te deixa num estado letárgico, sem vida ou interesse de fazer coisas de que gostamos. A mania nos dá uma grande vitalidade, força criativa, redução da vontade de dormir. Ambos os lados podem ser extremamente prejudiciais à saúde mental.
Quando descrevi os sintomas completos para a segunda médica, uma psiquiatra, veio o diagnóstico correto.
Após o diagnóstico e depois de muita luta, vislumbrei um futuro em que poderia ter controle de minha doença. Minha segunda lição foi obter informações científicas para me ajudar na recuperação.
Um dos maiores perigos está na quantidade absurda de informação que temos ao nosso alcance. Hoje em dia, amadores com um bom alcance e posicionamento digital viram “especialistas” – e isso é uma ameaça para alguém que busca soluções rápidas e respostas fáceis para transtornos complexos.
Montei uma biblioteca de qualidade, comecei a pesquisar artigos, escutar palestras e me espelhar em pessoas que já tiveram sucesso no tratamento. Sabia que era possível. Comecei a praticar o que lia: completa adesão ao tratamento recomendado pelo especialista, psicofármacos, meditação, exercício, alimentação saudável, psicoterapia, convívio social, prática de espiritualidade e evitar qualquer tipo de excesso.
Um dos princípios orientadores do budismo é “caminho do meio”. Refere-se ao equilíbrio, à prática do não extremismo. E essa lição me ensina até hoje. Toda história tem duas versões e é importante dar espaço para os dois lados se exporem com muita serenidade e escuta atenta. Vai além do transtorno… Deveria ser uma prática de vida.
Alcançar esse equilíbrio levou anos de muitos altos e baixos. Minha trajetória mais parece um eletrocardiograma do que uma curva ascendente. Ter uma doença crônica nos traz a vantagem de recomeçar a vida a cada tombo, sempre mais fortes e resilientes.
Quando alcancei o dito equilíbrio (na maior parte das vezes), veio a vontade de compartilhar com outras pessoas que sofrem do transtorno como cheguei aqui. Guardava um segredo e uma imagem imprecisa da executiva de sucesso.
Documentei em textos toda minha vivência com o transtorno e depois de anos resolvi publicar como autora independente.
A decisão de publicar um livro não foi fácil, afinal, envolve um risco muito grande. O risco de expor minha privacidade, de não ser respeitada no campo profissional e de sofrer o estigma e preconceito tão presentes na vida de quem é portador de uma doença mental.
Meu silêncio ocultava uma parte desconhecida de minha história, mas que é quase central no meu dia-a-dia. A Dyene que eu apresentava ao mundo estava incompleta, sem as vulnerabilidades que a formam como pessoa.
Meu silêncio significava a não adesão ao tratamento por uma pessoa que nunca viu alguém com seu mesmo transtorno trabalhar, estudar e viver uma vida feliz. Muitas imagens impressas na mente das pessoas são os exemplos que elas têm dos familiares que não tinham tratamento: a tia louca que se escondia, o primo que chorava compulsivamente, a avó que se suicidou. Os filmes e a mídia também contribuem para uma imagem negativa.
A questão é: as pessoas que superaram a doença sentem tanto medo de serem ridicularizadas e estigmatizadas, que a mantêm em segredo. E nós perdemos exemplos, referências e imagens de recuperação.
A minha ideia é trazer uma imagem diferente: alguém que conseguiu superar a fase mais crítica da doença e faz de tudo para manter-se estável. Sem a glamourização de uma vida sem sintomas, pois os sintomas existirão sempre. E, por sermos humanos, somos falhos.
Por isso, o nome do meu livro está no gerúndio: Vencendo a Mente. Gerenciar sintomas é uma batalha diária que vencemos na maioria dos dias.
Aprendi que orgulhar-nos de nossa história e aceitar-nos, traz uma sensação de liberdade inimaginável.
Também passei a olhar para o outro com mais zelo e sentir profunda empatia pelas pessoas que têm transtornos mentais. Há um entendimento que às vezes as pessoas mais próximas não têm. Através do projeto Vencendo a Mente, levo minha mensagem pelo Brasil inteiro.
Também sou embaixadora do belíssimo Projeto de Inclusão Social pelo Trabalho de Usuários da Rede de Saúde Mental (PISTRAB). Implementado pelo Núcleo de Saúde Mental do Rio de Janeiro, esse projeto multidisciplinar utiliza a metodologia do emprego apoiado/customizado, construído caso a caso com o candidato e a empresa, viabilizando a implementação de Políticas Públicas de Inclusão Social de pessoas com deficiência mental/psicossocial no mercado formal de trabalho.
Cada um tem uma história única que pode ser usada para cicatrizar a dor do outro, seja em pequena escala ou em grandes proporções. Quero que minha história seja um instrumento para ajudar na adesão ao tratamento para uma melhor recuperação. Quero elevar o outro em suas famílias, sociedade e no mercado de trabalho.”