Italian brainrot: especialista alerta pais sobre memes que estão viralizando entre crianças
Tralalero Tralala, Ballerina Cappuccina... esses nomes soam familiares? Memes gerados por inteligência artificial geram debate sobre saúde mental infantil
Um tubarão de três pernas usando tênis, uma bailarina com uma caneca de cappuccino no lugar da cabeça e um camelo com geladeira no corpo.
Esses são apenas alguns dos personagens surreais que compõem o chamado italian brainrot, uma onda de memes gerados por inteligência artificial que vem tomando conta das redes sociais desde o início de 2025 — especialmente entre crianças e adolescentes.

Apesar de parecer inofensivo à primeira vista, o fenômeno tem levantado alertas entre especialistas de saúde mental infantil.
O que é o italian brainrot?
O italian brainrot é uma vertente de memes absurdos criados por inteligência artificial generativa, marcada por visuais grotescos, narrações em “italiano” sintético e nomes italianizados, como Tralalero Tralala, Bombardino Crocodilo, Tung Tung Tung Sahur e Ballerina Cappuccina.
Essas figuras normalmente misturam animais, objetos do cotidiano, comidas e armas em composições, que desafiam o sentido e o bom gosto. O material circula em vídeos curtos, muitas vezes acompanhados de trilhas sonoras.
“É um fenômeno que surgiu nas redes sociais, principalmente entre crianças e pré-adolescentes, que envolve o consumo de memes e imagens geradas por inteligência artificial com conteúdos surreais, estranhos e até perturbadores“, explica a psicóloga infantil Aymee Paludetto, especialista em Transtorno do Espectro Autista, em entrevista à Catraca Livre.
Origem
O nome “brainrot”, que em português pode ser traduzido como “apodrecimento cerebral”, já existia na internet e foi até eleito Palavra do Ano em 2024 pela Universidade de Oxford.
Ele descreve o efeito de deterioração mental causado pelo consumo excessivo de conteúdo raso, repetitivo e pouco estimulante.
Por que esse conteúdo atrai tanto?
Segundo Aymee, o apelo desse tipo de meme está justamente na combinação entre novidade, bizarrice e estímulos sensoriais intensos.
“Para crianças e adolescentes, conteúdos que fogem do padrão comum são muito interessantes porque estimulam a imaginação e provocam reações intensas, como riso, estranhamento ou até um certo medo”, explica.
Além disso, o fator viral conta muito. “A sensação de estar ‘por dentro’ de uma tendência viral cria um senso de pertencimento social, algo muito importante para essa faixa etária que está construindo sua identidade”, completa Aymee.
Não por acaso, os vídeos se espalham rapidamente por plataformas, como TikTok, Instagram e YouTube Shorts, onde, como explica a psicóloga, “conteúdos que geram choque, riso ou estranhamento têm grande chance de viralizar, especialmente entre os jovens que buscam novidade e emoção“.
Quais são os riscos para o desenvolvimento infantil?
A preocupação principal, segundo Aymee, está no impacto cognitivo e emocional desse tipo de vídeo nas crianças. “O cérebro infantil ainda está aprendendo a focar e controlar a atenção, e a exposição contínua a estímulos muito intensos pode dificultar essa capacidade”, alerta.
Ela destaca que imagens bizarras ou violentas podem gerar medo, ansiedade, insegurança e até traumas — especialmente quando não há um adulto por perto para contextualizar ou filtrar o conteúdo.
“Conteúdos como este promovem baixo engajamento cognitivo — não há história, não há conflito e não há aprendizado. O cérebro da criança é passivo, apenas estímulos. Quando tudo é estímulo, nada é aprendizado. Se o cérebro só consome ou não exige esforço, ele deixa de se desenvolver”, pontua.
“Conteúdos que apresentam comportamentos agressivos sem crítica podem influenciar as crianças a repetirem essas atitudes, já que elas ainda estão construindo suas habilidades sociais, como empatia e respeito pelo outro”, menciona Aymee.
“Ah, mas é só um meme” – Não é bem assim!
Muitos adolescentes e adultos podem normalizar a popularidade do italian brainrot, alegando que é “apenas um meme“, ou seja, uma diversão.
Mas a especialista destaca: essas imagens geradas por IA podem conter distorções grotescas ou cenas violentas, o que impacta a qualidade psicológica de crianças, que ainda está aprendendo a diferenciar o que é real do que é fantasia.
“Essa exposição pode criar associações negativas na mente da criança, que com o tempo podem contribuir para o desenvolvimento de medos e ansiedade. […] Essa dificuldade é natural porque, até certa idade, o pensamento infantil é mais concreto e literal. Só por volta dos 7 ou 8 anos a criança começa a desenvolver melhor o raciocínio abstrato e a distinguir com mais claro o que é fantasia e o que é realidade“, reforça.
Como alternativa ao italian brainrot, ela recomenda programas educativos e pedagógicos, como “Azulado“, “Daniel Tigre” e “Sereno, o Panda Zen“.
Casos reais e preocupação dos pais
A psicóloga, que atua clinicamente em parceria com escolas, relata que já atendeu pais preocupados com esse tipo de material.
“Tive uma paciente de 9 anos cuja mãe descobriu o contato com esses vídeos depois de perceber agressividade excessiva e um comportamento bastante introvertido”, conta.
Segundo ela, além do impacto emocional, há prejuízo direto na linguagem e nas interações sociais, com a criança perdendo o interesse pelas atividades da “vida real” e se isolando, com dificuldade para conversar com outras pessoas.

“A exposição a conteúdos audiovisuais curtos e automatizados reduz as oportunidades de interação verbal, essenciais para o desenvolvimento linguístico. […] O excesso de dopamina que é fornecido por esse tipo de vídeos curtos, causa dependência nas crianças. Não é diversão, é vício.“
Aymee também recebe relato de professores, que ouvem os alunos mencionando repetidamente os termos do brainrot dentro da sala de aula: “Ou seja, a capacidade de aprendizagem também vai estar degradada.”
Sinais de que a criança está sendo afetada por conteúdos online
- Aumento de irritabilidade;
- Ansiedade;
- Medo excessivo;
- Mudanças no sono, como dificuldade para dormir ou pesadelos;
- Isolamento;
- Comportamentos agressivos ou desrespeitosos;
- Confusão na hora de distinguir o que é real e o que é fantasia, expressando medo ou angústia;
- Dificuldade de concentração;
- Queda no desempenho escolar.
“Se os pais notarem esses sinais, é fundamental conversar com a criança, limitar o acesso a esses materiais e buscar apoio profissional, se necessário, para ajudar a criança a processar suas emoções e pensamentos“, destaca a psicóloga.
Como os pais ou responsáveis podem lidar com isso?
A orientação da especialista é clara: supervisão, diálogo e presença, explicando que nem tudo o que aparece na internet é saudável.
“Os pais podem conversar com os filhos sobre conteúdos difíceis ou perturbadores, como o italian brainrot, de maneira acolhedora e sem demonizar a internet, que é uma ferramenta importante e útil. O ideal é criar um ambiente aberto, onde a criança se sinta segura para falar sobre o que viu, sem medo de ser julgada ou punida.”
Também é recomendado estabelecer limites de tempo para uso de telas e incentivar atividades offline que favoreçam o desenvolvimento emocional e social, como esportes e brincadeiras.
Ela reforça que, embora muitos desses vídeos sejam classificados como “memes” e possam parecer apenas uma brincadeira, os efeitos podem ser sérios. “É importante que os pais estejam atentos a esses conteúdos e conversem com os filhos para ajudá-los a entender e processar o que estão vendo.”
Em um mundo onde o conteúdo online é cada vez mais automatizado e surreal, o papel da família em mediar esse consumo se torna mais essencial do que nunca.
“Dessa forma, os filhos aprenderão a usar a internet com mais consciência e segurança, e a desenvolver o pensamento crítico, que é fundamental para lidar com o mundo digital”, conclui Aymee.