Mulher trans pode amamentar? Mãe trans conta detalhes da amamentação 

Dor nos seios, preocupação com a lactação, problemas na ‘pegada’ e bicos rachados: transgênera passa por todos os perrengues de mãe cis (com um adicional)

Roberto Bete e Erika Fernandes compartilharam a gestação e o parto de Noah, o primogênito do casal, por meio das redes sociais. Nascido de um homem transgênero, o bebê é amamentado pela mãe, uma mulher trans.

Mãe trans conta detalhes da amamentação
Créditos: Reprodução/Insatagram/Thaís Álvares
Mãe trans conta detalhes da amamentação

Procurada pela Catraca Livre, Erika revelou que passa pelos mesmo problemas de uma mulher cis, mas com preconceito adicional.

“Quando a minha amamentação se tornou pública, de mostrar que mulheres trans podem, sim, amamentar, que nós podemos ter essa conexão de mãe, eu fui atacada”, contou. “Me chamaram até de pedófila, por colocar o meu filho para sugar o ‘peito de um homem’, que ‘não saía nada’, que era só fetiche.”

Uma publicação científica de 2018, porém, já relatava a possibilidade de amamentação por mulheres trans. Nesse primeiro caso registrado, ela produzia 200 ml de leite ao dia e o bebê foi amamentado por seis semanas exclusivamente com esse leite materno.

De lá pra cá, à revelia do pensamento retrógrado e preconceituoso, muita coisa se desenvolveu no mundo da ciência. Hoje, uma mãe trans tem condições de amamentar o filho usando o mesmo tratamento hormonal oferecido a mulheres cis com dificuldades na lactação.

“Nós somos capazes de tudo, a natureza foi feita para todo mundo. A nossa conexão agora vai fazer um mês, e a gente continua amamentando.”

Do sonho de ter filhos à amamentação

Erika Fernandes, Roberto Bete e Noah
Créditos: Reprodução/Instagram

Erika revelou que Roberto não tinha vontade de ter uma gestação, mas que, aos poucos, ela foi convencendo o parceiro a sonhar com uma família biológica e embarcar na empreitada. “Ele teve que se desconstruir e aceitou”, afirmou. “Eu fazia comparações a um cavalo-marinho”. Na natureza, é o cavalo-marinho macho que carrega as crias na barriga.

Catraca Livre- Quando vocês começaram a se preparar para ter bebê?

Erika – A gente ficou um ano e meio se preparando, por causa dos nossos hormônios também. Pensamos que os nossos órgãos já estavam atrofiados, que não iríamos mais conseguir reproduzir, mas paramos de tomar os hormônios. Então, a gente foi tentando, tentando, tentando, fizemos acompanhamento médico, exames para ver se estávamos aptos a ter filhos.

Como foi descobrir a gestação?

Fui eu que descobri a gestação. Eu que adivinhei quando ele estava grávido. Eu comprei o teste de gravidez, fiz ele fazer e deu positivo. A gente não acreditou! Fizemos um segundo teste, deu positivo de novo. Depois, a gente fez o de sangue.

Quando nós fizemos o primeiro ultrassom, vimos o coraçãozinho bater -aquele ‘feijãozinho’ lá dentro-, foi que a ficha caiu. Foi quando a gente viu ali nosso planejamento sendo realizado, né? E eu vi o meu sonho de ser mãe sendo realizado.

Você teve acompanhamento para a amamentação?

Fiz um tratamento acompanhado com médicas especializadas. Esse é o mesmo tratamento para mulheres cis que têm dificuldade de amamentar, ou mães que adotam e querem amamentar. Elas fazem esse tratamento para lactar.

E a primeira vez?

Meu desejo de ser mãe é a liberação da ocitocina natural [ou oxitocina, um hormônio produzido pelo corpo da mãe para facilitar o parto e o início da lactação], o hormônio do amor. Esse desejo grande de poder amamentar, de ter essa conexão com ele [Noah], ajudou a que eu produzisse leite mais rápido e daí, depois do nascimento, no dia em que ele saiu da barriga do Roberto, já veio pro meu braço, já veio ao meu peito.

Dor nos seios, preocupação com a lactação, problemas na ‘pegada’ e bicos rachados
Créditos: reprodução/Instagram
Dor nos seios, preocupação com a lactação, problemas na ‘pegada’ e bicos rachados

Parecia que a gente tinha uma conexão, desses nove meses. Parecia que ele estava dentro de mim, que já me conhecia. Ele já sabia pegar no meu peito, me abraçou e começou a mamar, olhando para o meu rosto, olhando no meu olho. A gente se olhou e eu senti realmente essa conexão de mãe e filho. Foi muito incrível, lindo mesmo.

Você também passou por dificuldades?

Como todas as mães que amamentam: fissura na auréola, “pegada” errada, dores nos seios do leite produzindo… todos os sintomas. Todos os sintomas das mulheres que amamentam, eu tive também. Todo esse sofrimento de adaptação. Agora [por causa da correria cotidiana], a gente faz um mix de peito e fórmula. O meu leite é saudável e tem todos os nutrientes que Noah precisa.


Roberto, ex-participante do reality show “O Crush Perfeito”, da Netflix, contou que se recupera bem do parto e que teve que tomar apenas uma reposição nutricional por ter tido uma anemia pós-parto. Ele já voltou a trabalhar, mas, como todo pai deve fazer, divide as tarefas domésticas e os cuidados com Noah.