Queimadas no Pantanal: entenda o tamanho da devastação do bioma

Com recorde de focos de incêndio, torna-se necessário evitar ainda mais as fake news e saber como ajudar as ONGS que atuam diretamente na região

Por: Tuka Pereira

Localizado nos Estados de Mato Grosso (35%) e Mato Grosso do Sul (65%), além de partes do norte do Paraguai e do leste da Bolívia, o Pantanal é considerado o maior bioma úmido do mundo com cerca de 250 mil km². Apenas no Brasil seu território soma 150 mil km². Nos anos 2000, foi decretado Patrimônio da Humanidade e Reserva da Biosfera pela Unesco.

Crédito: Observatório do Pantanal / Considerado o maior bioma úmido do mundo com cerca de 250 mil km², o Pantanal vem sendo destruído pelas chamas há meses

Em 2020, as queimadas no Pantanal alcançaram uma proporção devastadora (que chegou a influenciar até mesmo na aterrisagem do avião do presidente Jair Bolsonaro, que arremeteu). De acordo com o Laboratório de Aplicações de Satélites Ambientais (Lasa), do Departamento de Meteorologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, desde o início do ano até dia 20 de setembro, a área queimada no Pantanal alcançou 3.179.000 hectares, o equivalente a 21,2% do bioma. Cada hectare corresponde, aproximadamente, ao tamanho de um campo de futebol oficial.

Segundo dados do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), até dia 22 de setembro, o Pantanal ultrapassou a marca de 16 mil focos de incêndio, maior número desde 1998, quando a instituição começou a acompanhar essas ocorrências. Antes disso, o pior ano havia sido 2005 que, durante seus 12 meses, registrou 12.536 focos de queimadas.

A Fauna padece no bioma devastado pelas chamas

Com o fogo, a fauna nativa que é uma das mais diversas do mundo, agoniza. O bioma tem 580 espécies de aves, 174 de mamíferos, 280 de peixes, 131 de répteis e 57 de anfíbios. O número de invertebrados não é identificado. O Pantanal também é refúgio para espécies ameaçadas de extinção que vivem em outras regiões.

Crédito: Divulgação/Além da ação humana, a vegetação seca e o calor potencializam o surgimento de focos de incêndio no Pantanal
Créditos: Divulgação
Crédito: Divulgação/Além da ação humana, a vegetação seca e o calor potencializam o surgimento de focos de incêndio no Pantanal

Vivem no bioma, aves como arara-azul-grande, tuiuiú, tucano, periquito e garça-branca, mamíferos como onça-pintada, capivara, lobo-guará, macaco-prego e tamanduá, peixes como piranha, pacu, pintado e dourado, répteis como jacaré, sucuri, camaleão, entre outras centenas de espécies.

Para tentar fazer uma estimativa do número de animais mortos pelas queimadas no Pantanal, diferentes representantes de órgãos públicos do meio ambiente, universidades, organizações não-governamentais e voluntários se uniram em uma força-tarefa.

Análises vêm sendo feitas ao longo de transectos (linha através de uma faixa de terreno) de até 1km onde as carcaças encontradas são registradas via aplicativo, com data e coordenadas geográficas. Além disso, também é registrada a distância perpendicular de cada carcaça à linha de referência. Isso permite a modelagem para a estimativa da densidade de animais mortos. O trabalho tem até 72 horas depois da passagem do fogo para ser executado, já que as ossadas podem desaparecer.

O projeto Bichos do Pantanal estima que entre 30% e 35% das espécies de flora e cerca de 20% de mamíferos foram atingidos pelos atuais incêndios, com base em levantamentos anteriores. Onças, cobras, macacos, aves, cobras, jacarés, pássaros e outros animais integram a lista de vítimas desta, que já vem sendo considerado, uma das maiores tragédias ambientais do país.

Uma iniciativa coordenada pelo Comitê do Fogo (órgão colegiado que reúne diversas instituições de governo, terceiro setor e iniciativa privada) montou um Posto de Atendimento Emergencial a Animais Silvestres – PAEAS Pantanal para receber donativos.

O grupo também criou uma “vaquinha virtual” com objetivo de arrecadar dinheiro para financiar ações que visam ajudar a cuidar dos animais que perderam seu habitat pelo fogo. A campanha já arrecadou mais de R$ 334 mil –pouco mais da meta que é de R$ 300 mil.

Enquanto animais de pequeno porte são pegos mais facilmente pelas chamas devido a seu deslocamento moroso, os maiores, embora tenham mais chances de fugir, quando sobrevivem, têm sofrido queimaduras graves e tido dificuldade para se alimentar e beber água – muitos estão sendo encontrados com sinais de desidratação e inanição.

Para ajudar estes animais, voluntários iniciaram a distribuição de alimentos e água ao longo MT-060 (da rodovia Transpantaneira). Os suprimentos estão sendo colocados debaixo das pontes e em locais aleatórios com acompanhamento de especialistas para assegurar que hábito de procurar alimentos, típico dos animais de vida livre, seja preservado.

Origem do fogo

A Polícia Federal (PF) através da Operação Matáá e órgãos de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul estão investigando as origens dos incêndios no Pantanal. O governo de Mato Grosso informou que perícias realizadas no Pantanal apontam ação humana como causa das queimadas na região. A motivação teria sido a queima intencional de vegetação desmatada para criação de área de pasto para gado.

Crédito: Ampara Silvestre/ Perícias realizadas no Pantanal apontam ação humana como causa das queimadas na região

Tanto no Pantanal, quanto na Amazônia, fazendeiros costumam atear fogo para a renovação do pasto que, com a primeira chuva após a queima, brota revigorado e ajuda na engorda do gado.

Também não é incomum a utilização do fogo de forma criminosa com objetivo único de desmatar áreas de mata nativa para transformá-las em pasto. Com a seca e o vento, as chamas se alastram matando animais silvestres e atingindo reservas ambientais e milhares de hectares de floresta.

A partir da metodologia que combina os dados dos focos de calor e a interpretação de sequência de imagens de satélite, o Instituto Centro Vida (ICV) identificou pontos de incêndio iniciados em nove fazendas. Estas propriedades foram responsáveis por afetar cerca de 324 mil hectares, ou 67,5% da área total atingida por incêndios no bioma nesse período.

Policiais vêm cumprindo mandados de busca e apreensão nos locais e o inquérito ainda está em andamento. A pena pode chegar a mais de 15 anos de prisão por danos ao Pantanal.

Declarações do governo: na contramão da verdade e da seriedade

Enquanto o mundo observa estarrecido o que vem acontecendo no Pantanal, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) insiste em fazer declarações que ora ignoram e minimizam a irreparável devastação, ora propagam fake news sobre as queimadas e seus responsáveis.

Crédito: Reprodução / Bolsonaro discursa na Assembleia Geral das Nações Unidas (ONU)

Em vídeo que circulou pelas redes sociais, ele foi o protagonista de uma das várias situações desrespeitosas em relação ao que vem acontecendo no bioma. Durante reunião ministerial, uma criança, sentada ao lado de Bolsonaro, questiona a todos os presentes: “tá pegando fogo no pantanal?”, enquanto pergunta, Bolsonaro, o vice Hamilton Mourão, e vários outros participantes do encontro caem na risada.

Em 16 de setembro, na entrada do Palácio da Alvorada, em conversa com eleitores, Bolsonaro afirmou que as críticas ao governo brasileiro quanto aos incêndios ambientais são “desproporcionais”. Segundo ele, também têm ocorrido queimadas nos Estados Unidos e na África. Além disso, também acusou, sem provas, ONGs (organizações não governamentais) de usarem laranjas para impedir a regularização fundiária no país.

“Tem críticas desproporcionais à Amazônia e ao Pantanal, né. Califórnia está ardendo em fogo. A África tem mais fogo que no Brasil. Nós tentamos com a regularização fundiária resolver essa questão. Tem muita terra que ONG botou laranja aqui, então o lobby é enorme para você não fazer a regularização também”, ressaltou.

Nesta ocasião, ele também atribuiu a responsabilidade dos incêndios a índios, caboclos e às altas temperaturas.

“Agora, pega fogo. O índio toca fogo, o caboclo [também]. Tem a geração espontânea. No Pantanal, são 43 graus a temperatura média. No ano passado, quase não pegou fogo. Sobrou uma massa enorme de vegetais mortos para isso que está acontecendo agora”, disse.

Já no dia 17 de setembro, Bolsonaro afirmou que o Brasil “está de parabéns” pela forma como preserva o meio ambiente. A frase foi dita durante a inauguração de um complexo de produção de energia solar, na cidade de Coremas, no Sertão da Paraíba.

“O Brasil é o país que mais preserva o meio ambiente. E alguns não entendem como, é o país que mais sofre ataques vindo de fora no tocante ao seu meio ambiente. O Brasil está de parabéns da maneira como preserva esse seu meio ambiente”, declarou.

Durante discurso na Assembleia Geral das Nações Unidas (ONU), no dia 22 de setembro (assista o pronunciamento na íntegra), Bolsonaro voltou a culpar índios, caboclos e o clima pela devastação. Ele alegou que a maior parte das queimadas ocorridas na Amazônia acontece em áreas já desmatadas, utilizadas por este grupo de pessoas. Depois, disse que os incêndios no Pantanal são consequência, sobretudo, das altas temperaturas e garantiu ter “tolerância zero” para crimes ambientais.

Organizações ambientalistas como Greenpeace e Observatório do Clima, reagiram às declarações de Bolsonaro afirmando que ele teria envergonhado  mais uma vez o Brasil perante a ONU e classificaram o discurso como “constrangedor” e “irresponsável” entre outros adjetivos nada animadores.

Bolsonaro, no entanto, não é o único do governo a fazer declarações polêmicas sobre as queimadas. Em entrevistas, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles disse que “questões ideológicas” contribuíram para o descontrole, como à perseguição à criação de gado no Pantanal.

De acordo com Salles, caso houvesse mais gado na região, eles comeriam a “massa orgânica” (folhagens e pastos) que acabam servindo como combustível para as queimadas. “O gado come a massa orgânica que serve de combustível para a queimadas. Com menos gado no pasto, esse material se propaga”.

Já sobre as queimadas na Amazônia, ele atribui o fogo ao clima: “[É preciso] lembrar as questões sazonais, que acontecem todos os anos”. E disse que, apesar de a região ter sido “deixada para trás nos últimos 20, 30 anos pelos governos de esquerda, 84% da floresta está preservada em sua condição primária”.

O vice-presidente da República, Hamilton Mourão (PRTB) também minimiza a devastação. No dia 24 de setembro, com um registro de 6.048 focos de incêndios no mês, maior número da história, segundo o Inpe, Mourão declarou:

“Recordes acontecem, né? 18 anos aí de governos ditos preocupados com o meio ambiente, foram 270 mil km² desmatados [entre 2010 e 2018]. Ano passado, o 1º ano do nosso governo, foram 10.000 km lá na Amazônia. Se você multiplicar por 18, dá 180 mil, é bem menos que 270. Então não dá para ficar nessa guerra de números. O que tem que fazer é reduzir as ilegalidades e acabou”, disse Mourão em entrevista a jornalistas.

Pressão internacional e perda de negócios

Enquanto as chamas seguem seu curso de destruição no Pantanal e também na Amazônia, o Brasil corre sérios riscos de sofrer um rombo econômico. Há chances de que o acordo comercial entre a União Europeia e o Mercosul não se conclua e, além disso, uma carta assinada pelos embaixadores de oito países europeus – Alemanha, Reino Unido, França, Itália, Holanda, Noruega, Dinamarca e Bélgica – enviada ao vice-presidente Hamilton Mourão tem um tom bastante claro de ameaça.

De acordo com o documento, enquanto a questão do desmatamento e da preservação são foco dos governos e das empresas do continente, o “Brasil está tornando cada vez mais difícil para empresas e investidores atender a seus critérios ambientais, sociais e de governança”.

Abaixo-assinado: o Pantanal importa!

Como uma forma de reação contra as queimadas e a omissão do governo, diversas mobilizações sobre o tema começaram a se formar na plataforma de petições Change.org. Uma das maiores  já reúne a assinatura de mais de 1 milhão de pessoas, muito também estão colaborando com valores em dinheiro.

“Os danos dessa situação catastrófica são inumeráveis. Muitos animais, como jacarés, macacos, cobras, antas e tatus, estão morrendo carbonizados por causa dos incêndios. Os especialistas já contam com redução de espécies.”, diz o documento.