Brasil é o país que mais mata LGBTs no mundo: 1 a cada 19 horas
Neste Dia Internacional Contra a Homofobia (17 de maio), o Catraca Livre evidencia a realidade da população LGBT no Brasil
No dia 14 de novembro de 2010, três rapazes foram vítimas de um ataque homofóbico com lâmpadas fluorescentes na avenida Paulista, em São Paulo (SP). Os agressores? Cinco jovens de classe média da cidade, que na época foram detidos pela polícia.
Em 2016, Luana Barbosa dos Reis morreu depois de ser brutalmente agredida por ao menos seis policiais na rua onde morava, em Ribeirão Preto (SP). A mulher de 34 anos era mãe, negra, pobre e lésbica. No mesmo ano, o adolescente Itaberlly Lozano foi assassinado pela própria mãe, Tatiana Lozano Pereira.
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Em março de 2017, o caso da travesti Dandara dos Santos, covardemente torturada e morta em Fortaleza (CE), causou revolta após a publicação de um vídeo da violência nas redes sociais. Mais recentemente, o vendedor trans Thadeu Nascimento, de 24 anos, foi encontrado morto no bairro de São Cristovão, em Salvador (BA).
O episódio mais recente envolveu a estudante Matheusa Passarelli, de 21 anos, que tinha identidade de gênero não binária. Nove dias após seu desaparecimento, a Polícia Civil do Rio de Janeiro concluiu que ela foi assassinada no Morro do 18, em Água Santa, na zona norte da cidade. A principal linha de investigação considera que a vítima tenha sido queimada por integrantes de uma facção criminosa da região.
Os casos narrados acima representam alguns exemplos da triste e cruel realidade da violência homofóbica no Brasil, país em que a cada 19 horas uma pessoa LGBT (lésbicas, gays, bissexuais, trans e travestis) morre e que mais mata travestis e trans em todo o mundo.
Um relatório do Grupo Gay da Bahia (GGB), entidade que levanta dados sobre assassinatos da população LGBT no Brasil há 38 anos, registrou 445 homicídios desse tipo em 2017. O número aumentou 30% em relação ao ano anterior, que teve 343 casos.
Segundo o levantamento, 2017 foi o ano com o maior número de assassinatos desde quando a pesquisa passou a ser feita pelo movimento. De 130 homicídios em 2000, saltou para 260 em 2010 e para 445 no ano passado. Houve ainda um aumento significativo de 6% nos óbitos de pessoas trans no último estudo, de acordo com o grupo.
“Tais números alarmantes são apenas a ponta de um iceberg de violência e sangue, pois, não havendo estatísticas governamentais sobre crimes de ódio, esses dados são sempre subnotificados já que nosso banco se baseia em notícias publicadas na mídia, internet e informações pessoais”, diz o antropólogo e fundador do GGB, Luiz Mott, responsável pelo site “Quem a homofobia matou hoje”.
Como Mott explica, até hoje não existe um trabalho do governo em documentar as informações oficiais de violência motivada por LGBTfobia. “O governo federal, o estadual e o municipal, através de suas Secretarias de Segurança Pública e outros órgãos, deveria coletar esses dados e fazer as suas estatísticas de crimes de ódio”, afirma.
Devido à falta de estudos no país, o movimento passou a analisar a quantidade de mortes dessa população. “Decidimos iniciar o trabalho há quase quatro décadas, pois esta é a forma mais grave de homofobia, que vai do insulto, da agressão, da discriminação, até a morte. No início, só havia jornais e revistas, e, a partir disso, recebíamos recortes das notícias enviados por grupos gays em todo o Brasil.”
Nos últimos anos, com a internet e as redes sociais, o trabalho realizado pelo grupo foi facilitado. Hoje, os ativistas fazem o levantamento por meio de todas as notícias que aparecem na mídia – tanto em jornais e revistas, como na internet – com as palavras “gay”, “travestis”, “transexuais”, “lésbica”, entre outras. Em seguida, eles realizam a sistematização da informação para ver se de fato a vítima do caso era LGBT.
O estudo
Das 445 mortes registradas pelo GGB em 2017, 194 eram gays, 191 trans, 43 lésbicas, 5 bissexuais e 12 heterossexuais (parentes ou conhecidos de LGBTs que foram mortos por algum envolvimento com eles).
Sobre a maneira como eles foram mortos, 136 episódios envolveram o uso de armas de fogo, 111 foram com armas brancas, 58 foram suicídios, 32 ocorreram após espancamento e 22 foram mortos por asfixia. Há ainda registro de violências como o apedrejamento, degolamento e desfiguração do rosto.
Em relação ao local, 56% casos aconteceram em vias públicas e 37% dentro da casa da vítima. Segundo o grupo, a prática mais comum com travestis é o assassinato na rua a tiros ou por espancamento. Já gays, em geral, são esfaqueados ou asfixiados dentro de suas residências.
O estado com maior registro de crimes de ódio contra a população LGBT foi São Paulo (59), seguido de Minas Gerais (43), Bahia (35), Ceará (30), Rio de Janeiro (29), Pernambuco (27) e Paraná e Alagoas (23). Entre as regiões, a maior média foi identificada no Norte (3,23 por milhão de habitantes), seguido por Centro-Oeste (2,71) e Nordeste (2,58).
- Qualquer que seja a forma de discriminação é importante que a vítima denuncie o ocorrido. A orientação sexual ou identidade de gênero não devem, em hipótese alguma, ser motivo para o tratamento degradante de um ser humano. Veja como denunciar aqui
Luta e resistência
O levantamento do número de mortes contra a população LGBT fez com que o Grupo Gay da Bahia se tornasse referência em todo o Brasil nos últimos anos. A mais antiga associação de defesa dos direitos humanos dos homossexuais no país também oferece espaço para outras entidades da sociedade civil que trabalham em áreas similares, especialmente no combate à homofobia e prevenção do HIV e Aids.
Outro grupo de grande importância é o Mães Pela Diversidade, formado por mães de lésbicas, gays, bissexuais, trans e travestis. “Nós colocamos a cara no sol para desconstruir o estigma de que nenhum pai ou mãe tem orgulho de ter um filho LGBT. Nós temos orgulho de nossos filhos, sim!”, afirma Majú Giorgi, ativista e fundadora do coletivo.
“Vivemos em um ciclo vicioso em que adolescentes LGBTs são expulsos de casa e sofrem violências diárias por parte da sociedade. Essa é a realidade que queremos mudar, porque quando eles são acolhidos e protegidos pela família, ficam mais fortes para enfrentar essas situações”, ressalta Giorgi.
Para Luiz Mott, do Grupo Gay da Bahia, é possível pensar em formas de erradicar esses crimes. Primeiro, promover a educação sexual obrigatória em todos os níveis escolares, ensinando crianças e adolescentes a respeitar a diversidade e a não praticar bullying.
Em segundo lugar, criar leis que punam severamente a homofobia, equiparando esses casos ao racismo. “É inaceitável que insultar um negro represente cadeia, crime inafiançável, mas se insultar um homossexual não aconteça nada”, acrescenta o ativista.
A terceira medida é promover campanhas e políticas públicas que garantam saúde integral e segurança a gays, lésbicas, bissexuais, trans e travestis em seus lugares de convívio. “Em quarto lugar, faço um apelo para a própria comunidade LGBT, para que grite e denuncie ameaças e agressões, pois o grito é a arma do oprimido. Não vamos deixar impune nenhum tipo de violência”, finaliza Mott.