‘Sem vontade de viver’: como a retocolite ulcerativa abalou a vida de arquiteta — e como ela deu a volta por cima
Arquiteta com retocolite ulcerativa enfrentou sintomas severos e depressão; neste Maio Roxo, ela compartilha sua história para ajudar outras pessoas
Aos 36 anos, a arquiteta e urbanista Tássia Garcia Pires de Oliveira, leva uma vida estável. Mas essa tranquilidade só chegou depois de uma longa e difícil jornada contra uma doença inflamatória intestinal (DII), que a acompanha desde o fim de 2021.

A arquiteta tinha 32 anos quando notou uma secreção incomum e um leve sangramento ao ir ao banheiro. A suspeita inicial era de hemorroida, mas o diagnóstico veio após uma colonoscopia: retocolite ulcerativa (RCU), uma condição autoimune, sem cura, que afeta o intestino grosso.
“Minha reação foi um choque, pois eu sempre fui uma pessoa ativa, sempre pratiquei atividade física, alimentação equilibrada, não fumo e não bebo. Até aquele momento não havia tido nenhum problema de saúde. E descobrir que tem uma doença autoimune, que eu teria que conviver com ela para o resto da vida, foi desesperador“, relembra em entrevista especial à Catraca Livre para o Maio Roxo.
Como a retocolite ulcerativa afetou sua vida?
Durante três anos, Tássia, que nasceu em Atibaia (SP) e atualmente mora em São Bernardo do Campo (SP), conviveu com a fase ativa da doença, o que impactou drasticamente sua rotina.
“Os sintomas são bem severos, diarreia constante, urgência em evacuar, muita dor e inchaço abdominal, fraqueza em decorrência da anemia”, conta.
A arquiteta chegou a perder 10 quilos em um único mês e, à noite, tinha seu sono interrompido até sete vezes para ir ao banheiro.
A relação com o trabalho foi preservada, em parte, graças à proximidade de casa e à estrutura adequada. “Se eu precisasse me deslocar muito para trabalhar ou não tivesse estrutura, ter que trabalhar ‘na rua’, não seria possível.”
Mas o impacto não foi só físico. “Emocionalmente eu fiquei destruída, pois descobrir uma doença autoimune, com tantos efeitos físicos, me impossibilitando de fazer as coisas que sempre fiz, como treinar, ter uma vida social, me ver fisicamente tão mal, me levou a uma depressão.”
Por causa de tudo isso, ela enfrentou episódios de grande vulnerabilidade. “Estava fraca pela perda de peso e anemia, não conseguia dormir, não conseguia me alimentar.”
“Definitivamente eu estava sem esperança e sem vontade de viver”, lembra, ao citar um dos momentos mais graves da doença.
Caminho até a remissão
Encontrar o tratamento eficaz foi um processo demorado e exaustivo. Ao longo de três anos, Tássia testou cinco tratamentos diferentes: medicação via oral, intravenosa e imunobiológica, imunossupressores e, por fim, medicação administrada por injeção subcutânea.
Somente com essa última, em dezembro de 2024, Tássia entrou em remissão, ou seja, a inflamação foi controlada.
“Há uma série de tratamentos possíveis, porém, não há a garantia de que o medicamento que eu utilizei vai funcionar para qualquer pessoa que tenha RCU“, destaca.

O tratamento é altamente individualizado, já que cada paciente responde de forma diferente às medicações. Cabe ao gastroenterologista, especializado em DII, indicar o medicamento mais eficaz para a inflamação específica de cada pessoa.
Além disso, vale mencionar que essas medicações podem causar uma série de efeitos colaterais. Tássia, felizmente, não apresentou reações: “eu não tive nenhum, graças a Deus. Passei por eles sem ter nada.”
Estilo de vida e impacto psicológico
Mesmo antes do diagnóstico, Tássia já tinha uma rotina saudável, com alimentação equilibrada e prática regular de exercícios. Durante os momentos mais críticos, ela adaptou os hábitos às limitações do corpo.
“Meus hábitos eram ter uma alimentação equilibrada, evitar o que fosse inflamatório, glúten e lactose. Retirar açúcar, álcool e alimentos fermentados, grãos no geral. Praticar atividade física e yoga.”

Ela ainda precisava lidar com a depressão e o estigma dos sintomas, então acabou escondendo seu diagnóstico por mais de um ano.
“Os sintomas (diarreia, urgência em evacuar) fazem com que a gente não consiga controlar necessidades físicas que são nossas. É necessário um banheiro disponível 24 horas por dia. Por vezes andando na rua eu precisei entrar em algum estabelecimento, ou até usar banheiro público, pois não é possível controlar. E tudo isso nos coloca em lugares muito delicados e de muita vergonha.”
Para superar tudo isso, a arquiteta destaca que o apoio de seu médico e de sua família e amigos foi fundamental. “Fiz muita terapia. Também ajuda ter minha vontade de viver, vontade de estar bem e saudável novamente e entender que tudo que passamos na vida tem um motivo, que a gente pode não entender no momento, mas que depois a gente entende.”
Falar sobre a doença foi um ato de coragem
Tássia teve dificuldade em encontrar outras pessoas que compartilhassem a experiência da retocolite. “Procurei sem sucesso por pessoas comuns como eu, que falassem sobre a RCU. […] Acredito que pelo motivo que mencionei, a vergonha, as pessoas escondam a doença.“
“Hoje não tenho mais sintomas e vivo uma vida totalmente normal.” A estabilidade, no entanto, exige manutenção: o tratamento continua e o apoio de outras pessoas é importante.
Por isso, atualmente, ela se dispõe a ser essa referência que tanto procurou no início e fala abertamente sobre a RCU no Instagram e fora dele. Sua intenção é justamente ajudar outras pessoas.
“Procure por pessoas que tenham ou tiveram a RCU, como eu, para compartilhar e trocar. Todo o processo fica mais leve quando se compartilha, divida com os outros, você não está sozinho como pensa”, finaliza com o conselho.
Maio Roxo
Neste mês dedicado à conscientização sobre as doenças inflamatórias intestinais (DII) que impactam a qualidade de vida de milhões de pessoas, a Catraca Livre prepara uma série de reportagens para informar seus leitores. Clique aqui para acessar.