Aos 12 anos, Lorena Eltz passou por ostomia — hoje, aos 25, é voz de quem vive com doenças intestinais

Em entrevista à Catraca Livre, Lorena Eltz conta como a ostomia transformou sua autoestima e fala sobre os desafios de viver com a doença de Crohn

Por Caroline Vale em parceria com João Gabriel Braga (Médico - CRMGO 28223)
15/05/2025 20:15 / Atualizado em 26/05/2025 11:17

Diagnosticada com a doença de Crohn, a influenciadora Lorena Eltz, de 25 anos, viu sua infância se transformar em uma rotina de internações, cirurgias e recomeços.

Hoje, estudante de biomedicina e com mais de 600 mil seguidores no Instagram, ela fala abertamente sobre o impacto físico e mental das doenças inflamatórias intestinais (DIIs) e da ostomia.

Minha infância foi bem diferente da maioria das crianças. Enquanto os outros estavam na escola ou brincando, eu estava no hospital, fazendo exames tentando descobrir o que tinha, ou depois crescendo, me recuperando de cirurgias”, lembra Lorena, em entrevista especial à Catraca Livre.

Lorena Eltz foi diagnosticada com a doença de Crohn
Lorena Eltz foi diagnosticada com a doença de Crohn - Acervo pessoal

Diagnóstico e recomeço com a ostomia

O diagnóstico da doença de Crohn veio aos 5 anos, quando Lorena sofria com a persistência de febres, diarreias, feridas na boca e vômitos: “naquela época, eu passava muito tempo internada.”

Aos 12 anos, após muitas crises da doença, ela passou pela primeira cirurgia para remover uma parte inflamada do intestino e foi submetida a uma ostomia.

Foi uma decisão difícil, mas necessária. No começo, eu achei que seria o fim da minha liberdade… e depois percebi que eu finalmente consegui ter mais qualidade de vida“, diz.

Naquela época, ela precisou se adaptar ao uso da bolsa, aprender a manuseá-la com cuidado em relação ao estoma e lidar, em alguns momentos, com complicações. “Foi um processo longo, mas que também me fez crescer rápido em muitos sentidos“, revela a influenciadora, que nasceu em Gravataí (RS) e hoje mora em São Paulo (SP).

Impacto da ostomia na autoestima de Lorena

O impacto emocional da ostomia foi profundo: “Eu me sentia diferente, insegura, com medo de rejeição. Aos 12 anos, você só quer ser igual às outras crianças.”

Tive que lidar com a bolsinha não só na minha vida, mas na escola, nos momentos em que eu queria me divertir, tive que aprender a responder as perguntas dos meus coleguinhas, e até lidar com a baixa autoestima com relação ao meu corpo“, conta.

Lorena Eltz fez ostomia aos 12 anos
Lorena Eltz fez ostomia aos 12 anos - Acervo pessoal

As cicatrizes que Lorena carregava iam além do corpo. A adolescência, fase já complexa por natureza, foi ainda mais desafiadora com a bolsa de ostomia: “tive muita dificuldade de me encaixar ou me aceitar.”

Eu me escondia muito, evitava usar roupas coladas, usava tudo de um tamanho maior para me esconder. Como eu não falava sobre a ostomia ainda, eu morria de medo que alguém descobrisse. Mas aos poucos, fui descobrindo que minha ostomia podia ser uma força“, relata a influenciadora.

O processo de reconstrução da autoestima veio com o tempo e, principalmente, com a conexão com outras pessoas ostomizadas através da internet.

Hoje, eu vejo minha autoestima como um processo: não é sobre amar tudo o tempo todo, mas sobre ser gentil comigo mesma.”

Remissão da doença de Crohn

Além da cirurgia de 2012, Lorena fez mais dois procedimentos semelhantes em 2014 e 2021, também para retirar partes comprometidos do órgão.

Na cirurgia de 2021, ela precisou fazer a ileostomia definitiva – abertura cirúrgica permanente no abdômen para a saída das fezes. Foi esse último procedimento que trouxe um alívio real e duradouro.

Somente nessa última cirurgia, mais arriscada que eu atingi a remissão da doença de Crohn e pude finalmente melhorar de tudo que eu sentia desde a infância […]. A mudança foi enorme — pude começar a estudar, viajar, me mudar de apartamento, sair com amigos e viver com menos medo.”

Atualmente, em remissão, Lorena lembra que a doença de Crohn não tem cura: “mesmo em fases boas, ainda tem acompanhamento, exames e cuidados.”

Ela é estudante de biomedicina
Ela é estudante de biomedicina - Acervo pessoal

Quando o assunto é saúde mental, a influenciadora diz que passa pelos dias difíceis buscando refúgio na própria trajetória.

Eu me permito ficar triste, achar difícil ou me sentir cansada de tudo, porque faz parte mesmo, mas também busco acolher meu corpo com carinho. Me ajuda muito lembrar da minha história. […] Às vezes até olhar para as minhas cicatrizes e pensar nelas como marcas de uma história de luta pela vida. Às vezes, só descansar e cuidar do básico já é um ato de amor próprio“, reflete.

Tabus e representatividade

Lorena não tem dúvidas: a ostomia ainda é cercada de estigmas. “Muitas pessoas nem sabem o que é, e quando sabem, às vezes têm ideias distorcidas.”

Ela pontua que o tabu afeta a autoestima, dificulta a inclusão social e alimenta o preconceito: “acham que a pessoa deixa de fazer as coisas que quer, que deixa a vaidade de lado, ou que a ostomia nos torna ‘incapazes’.”

Foi justamente a falta de referências que a levou a criar conteúdo nas redes sociais: “Queria criar o conteúdo que eu mesma teria amado encontrar aos 12 anos.” O resultado é um perfil no Instagram de acolhimento e empoderamento.

Além disso, o espaço também serve para chamar atenção aos desafios práticos que pessoas ostomizadas enfrentam no dia a dia: “muita coisa ainda pode melhorar: mais banheiros adaptados, acesso a esses banheiros em locais públicos, compreensão nas escolas e no trabalho”, destaca.

“Eu lido com isso usando estratégia e bom humor — sempre com meu ‘kit ostomizada’ na bolsa e uma dose de paciência. Mas o ideal é que a sociedade avance junto com a gente. Não queremos tratamento especial, só inclusão real.”

A influenciadora acumula mais de 600 mil seguidores no Instagram
A influenciadora acumula mais de 600 mil seguidores no Instagram - Acervo pessoal

Importância do Maio Roxo

Durante o Maio Roxo, mês de conscientização sobre doenças inflamatórias intestinais, Lorena reforça a importância da informação para romper estigmas.

Ainda há muita desinformação — tem gente que sofre muito ainda por não saber nem que o que sente pode ser uma
doença. Essa visibilidade salva vidas, previne, ajuda a diminuir os diagnósticos tardios e fortalece a nossa rede de apoio“, opina.

E conclui com a força de quem aprendeu a transformar cicatrizes em coragem: “eu gostaria que soubessem que a gente não é frágil — a gente é forte pra caramba. […] Que viver com uma DII é cheio de nuances, e que ter uma ostomia não nos impede de nada. A gente ama, trabalha, estuda, tem hobbies, viaja, sonha… Só precisamos de respeito, mais acessibilidade e informação.”

Neste mês dedicado à conscientização sobre as DIIs que impactam a qualidade de vida de milhões de pessoas, a Catraca Livre prepara uma série de reportagens para informar seus leitores. Clique aqui para acessar.