A merda que vai continuar na Cultura se Bolsonaro for reeleito
Mesmo com a cultura definida na Constituição como um direito das pessoas, Bolsonaro promoveu um verdadeiro apagão nas políticas para o setor
Precisamos falar sobre a merda que vai continuar na Cultura nacional se Jair Bolsonaro (PL) for reeleito presidente no próximo dia 30 de outubro, quando nós, brasileiros, voltarmos às urnas para o segundo turno das eleições presidenciais de 2022.
Mesmo com a Cultura definida na Constituição como um direito das pessoas, Bolsonaro promoveu um verdadeiro apagão nas políticas para o setor no seu mandato. Rolou boicote a artistas, ameaças às instituições culturais, discursos de ódio, além de tesourada em programas fundamentais ao financiamento da Cultura no Brasil.
A Cultura brasileira vive o seu momento mais sombrio. O orçamento federal disponível para políticas culturais recuou 46,8% entre 2011 e 2021. Há dez anos, o extinto Ministério da Cultura tinha à disposição R$ 3,33 bilhões. Em 2021, o valor autorizado para a Secretaria de Cultura foi de R$ 1,77 bilhão, de acordo com dados do Siga Brasil, plataforma de informações orçamentárias mantida pelo Senado Federal.
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Além da diminuição de recursos destinados à Cultura, o uso dos recursos também diminuiu. O total empenhado — ou seja, o que o governo realmente gastou — caiu 44,7% entre 2011 e 2020. No 1º ano de pandemia, 30% da verba disponível não foi utilizada. No ano seguinte, em meio ao caos vivido pelos profissionais da área por falta de recursos, faltando quatro meses para acabar o ano, apenas 36,5% tinha sido empenhado.
Durante o governo Bolsonaro, não houve nenhum investimento da secretaria em projetos voltados para poesia e/ou escritores negros, segundo dados obtidos por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI).
Não faz sentido dar continuidade a um governo que despreza os artistas e o papel fundamental que a Cultura tem na formação da nossa identidade enquanto povo, na nossa educação, nos nossos hábitos, nos nossos valores, sem falar em toda a capacidade de transformação social que há na arte.
Rebaixando a Cultura
Em janeiro 2019, no primeiro mês do governo Bolsonaro, a Cultura sofreu seu primeiro golpe. O Ministério da Cultura perdeu o status de ministério e foi rebaixado à Secretaria Especial de Cultura, sendo vinculado primeiro ao Ministério da Cidadania e, depois, como segue até hoje, ao Ministério do Turismo.
Do ponto de vista prático, a decisão de Bolsonaro de rebaixar a Cultura da condição de ministério para de secretaria mostra que para o governo ela tem menor importância, portanto terá também menos recursos do Estado empenhados nela.
É importante lembrar que o MinC tinha uma série de órgãos e secretarias, que também passaram por esse processo de desmonte. Então, só para citar alguns:
- O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), que é responsável pela preservação e divulgação do patrimônio material e imaterial do país;
- O Instituto Brasileiro de Museus (Ibram), que gere toda a política nacional de museus;
- A Fundação Cultural Palmares, que é responsável pela promoção e preservação dos valores culturais, históricos, sociais e econômicos decorrentes da influência negra na formação da sociedade brasileira;
- A Fundação Nacional de Artes (Funarte), responsável pelo desenvolvimento de políticas públicas de fomento às artes visuais, à música, à dança, ao teatro e ao circo;
- A Biblioteca Nacional, gestora e responsável pela preservação do patrimônio bibliográfico e documental do Brasil;
- A Agência Nacional do Cinema (Ancine), a agência reguladora responsável pelo fomento, regulação e fiscalização do mercado audiovisual brasileiro.
Com a extinção do ministério, todas essas frentes de preservação e promoção cultural foram diretamente impactadas com recursos reduzidos a uma miséria. Além disso, todas elas passaram a censurar e boicotar qualquer manifestação artística que não fossem condizentes com o conservadorismo cego e hipócrita defendido pelos bolsonaristas. Clicando nos nomes das instituições acima, você será remetido a alguns exemplos.
A gente teve figuras importantíssimas que passaram pelo MinC, como Francisco Weffort, Celso Furtado, Juca Ferreira e Gilberto Gil, pessoas que, além de representarem os anseios dos artistas, dos promotores de cultura do nosso Brasil, tiveram políticas que davam voz e canalizavam a previsão constitucional de que cultura é um direito de todos.
Os secretários de Cultura do governo Bolsonaro
Com o governo Bolsonaro, os nomes que assumiram a gestão nacional da políticas de Cultura foram de mal a desesperador.
Com tom mais moderado, o primeiro a assumir a Secretaria Especial de Cultura foi Henrique Pires, exonerado por “não desempenhar as políticas propostas pela pasta”, de acordo com dados do Diário Oficial. Ele foi contra decisões do governo, em especial, à determinação de suspender um edital para a TV pública dedicada à produção de séries que abordam questões LGBTs e de diversidade de gênero.
Em seguida, Bolsonaro colocou um economista para gerir a Cultura. Ricardo Braga assumiu a pasta depois da saída de Henrique Pires, mas permaneceu no cargo por apenas dois meses. Ele saiu para ser realocado na Secretaria de Regulação e Supervisão da Educação Superior, no MEC.
Daí para frente foi só para trás. Após a breve passagem de Braga, o presidente colocou o dramaturgo Roberto Alvim à frente da pasta e, com apenas dois meses de sua nomeação, ele foi demitido por causa da repercussão negativa que um pronunciamento oficial gerou pela citação de Joseph Goebbels, ministro de Hitler na Alemanha nazista.
Em seguida, veio Regina Duarte, que assumiu a Secretaria Especial de Cultura em 2020. Durante sua gestão, ela não foi capaz de encaminhar nenhuma ação efetiva voltada à Cultura e, em uma entrevista à CNN Brasil, Regina minimizou as mortes por Covid-19 e tentou atenuar a ditadura e as práticas de tortura que marcaram o regime.
Depois de Regina, em junho de 2020, quem assumiu foi o ator de Malhação, Mário Frias, denunciado por trabalhar armado e ameaçar funcionários do MinC.
Em 15 de julho de 2021, Mário Frias fez um comentário de cunho racista em uma rede social sobre o historiador e ativista negro Jones Manoel, dizendo que ele “precisa de um bom banho”. O post foi depois apagado pelo Twitter.
Recentemente, Frias foi convidado pela Comissão de Educação, Cultura e Esporte do Senado para explicar porque gastou R$ 39 mil (valor pago com recursos públicos) em uma viagem que fez a Nova York, nos Estados Unidos, em dezembro de 2021, de acordo com dados obtidos junto ao Portal da Transparência. O motivo da viagem teria sido para discutir um projeto de audiovisual com o empresário Bruno Garcia e com o lutador de jiu-jitsu Renzo Gracie.
O Ministério Público quer que o Tribunal de Contas da União (TCU) investigue os gastos. Mário Frias negou irregularidade e alegou, via redes sociais, que “todas as manchetes expostas” eram “mentirosas”, mas não provou nada do que disse.
Desmonte da cultura na prática
A política de escassez promovida por Bolsonaro na Cultura tem por objetivo destruir nossa memória, apagar nossa história e com isso destruir símbolos. As demonstrações práticas disso aparecem aos montes, mas vamos nos centrar em uma para sermos concisos.
A Cinemateca Brasileira é o mais importante órgão para a manutenção da memória do audiovisual brasileiro, responsável pela preservação de cerca de 245 mil rolos de filmes e 30 mil títulos, entre obras de ficção, documentários, cinejornais, filmes publicitários e registros familiares. Ela é conhecida por abrigar o maior acervo de imagens em movimento da América Latina.
Após diversos ataques e cortes orçamentários, o galpão da Cinemateca Brasileira, em São Paulo, sofreu um incêndio, em 2021, e perderam-se 4 toneladas de documentação da história do cinema brasileiro.
O incêndio aconteceu após o governo de Jair Bolsonaro decidir unilateralmente romper com o contrato de gestão com a Acerp em 2019.
Abandonada e sem administração, a Cinemateca permaneceu sob os cuidados da Fundação e da Associação dos Amigos da Cinemateca até abril de 2020, sem que o governo concordasse em firmar nem mesmo um contrato de trabalho temporário com os funcionários que permitisse a manutenção mínima da instituição, o que teria ajudado a evitar o incêndio que aconteceu ano passado por falta de manutenção no prédio onde eram guardados os rolos de filmes, altamente inflamáveis.
Enquanto a disputa passava para o campo jurídico, a Acerp declarou que a dívida da União com a gestão (inclusive salários) passava dos R$ 14 milhões, e então interrompeu as suas atividades.
Após o incêndio ter escancarado o abandono da Cinemateca, um novo edital foi aberto e a Sociedade Amigos da Cinemateca (SAC) assinou, em março deste ano, um contrato de gestão por cinco anos. Agora, com uma direção que conta com profissionais experientes do audiovisual brasileiro, a SAC conseguiu contratar funcionários e reestruturar a Cinemateca que foi reaberta ao público em maio deste ano, um ano após o incêndio.
Bolsonaro boicotou leis de incentivo à Cultura na pandemia
Bolsonaro mentiu ao tentar capitalizar a autoria das leis Paulo Gustavo e Aldir Blanc, durante o debate entre os candidatos a presidente da República, na TV Globo, no 1º turno. Na verdade, ele vetou os projetos após serem aprovados no Congresso Nacional e as leis só entraram em vigor pois deputados e senadores derrubaram seu veto, em julho deste ano.
Com a derrubada do veto, as duas leis passaram a destinar, juntas, R$ 6,9 bilhões para o setor Cultural no Brasil.
A Lei Paulo Gustavo foi aprovada pelo Senado em 15 de março desse ano e enviada para sanção presidencial. Na época, o ex-secretário especial da Cultura e atual candidato a deputado federal Mário Frias (PL) disse em suas redes sociais que o projeto era inconstitucional e “absurdo”.
Em abril, o governo emitiu uma nota dizendo que a proposta “enfraqueceria as regras de controle, eficiência, gestão e transparência”.
Bolsonaro vetou integralmente a Lei Aldir Blanc 2, alegando que o projeto era “inconstitucional e contraria o interesse público”.
A Lei Aldir Blanc prevê um repasse anual de R$ 3 bilhões aos governos estaduais e municipais, durante cinco anos, para o financiamento de iniciativas culturais. É dinheiro público injetado diretamente na promoção da cultura. Os projetos se inscrevem em editais nas cidades e recebem a verba para execução.
Bolsonaro também vetou a “Lei Paulo Gustavo”, que destina R$ 3,86 bilhões em recursos federais a estados e municípios para o setor cultural, por conta dos efeitos da pandemia de Covid-19.
Os recursos para assistir o setor cultural são do Fundo Nacional de Cultura (FNC). R$ 2,797 bilhões são destinados exclusivamente a ações voltadas ao setor audiovisual no apoio a produções audiovisuais, salas de cinema, cineclubes, mostras e festivais.
Já os R$ 1,065 bilhão são aplicados no desenvolvimento de atividades de economia criativa e de economia solidária; cursos, produções e ou manifestações culturais; ou desenvolvimento de espaços artísticos e culturais.
Retomar um projeto nacional que valorize a Cultura
O Brasil precisa voltar a defender a Cultura e isso precisa ser política de governo. Temos que valorizar a diversidade e a riqueza da nossa cultura porque é só assim que nossa história, nossos costumes e tudo aquilo que nos define e nos une enquanto nação se manterá enraizado para as próximas gerações.
Somente um país soberano não se curva aos interesses daqueles que não vivem aqui e querem usurpar nossas riquezas naturais, intelectuais e imateriais. Defender a Cultura é também defender nossa soberania.
A Cultura é agente promotor dos debates, de reflexões, da educação, do pensamento crítico dentro da sociedade. É através dela que alçamos e nos inspiramos para conquistar transformações sociais, comportamentais e ainda é através da arte, do lúdico, do entretenimento que também desenvolvemos nossa criatividade que são contribuições fundamentais pro desenvolvimento do nosso país.