Nutrição é só com o nutricionista
Dicas e orientações na internet passadas por blogueiras, educadores físicos e até dentistas, na maioria das vezes, não têm embasamento científico
Hoje se comemora o dia do nutricionista, profissão que escolhi há anos pensando em ajudar as pessoas a ressignificar e melhorar sua relação com a alimentação. Na verdade, como sabemos, essa é uma ocupação cobiçada, ao ponto de muitos acharem que têm um pouco de nutricionista em si.
Para além do clássico da blogueira fitness que dá dicas de alimentação, também encontramos outros profissionais tentando exercer o ofício de nutricionista, de educadores físicos a dentistas e, acreditem, até veterinários. Isso sem contar, claro, as dicas nutricionais dadas por vendedores de suplementos; pessoas que emagreceram e que buscam compartilhar dietas; e atores, artistas e modelos com corpos esculturais.
Na maioria absoluta dos casos, essas dicas são erradas, apresentam desconhecimento básico de nutrição, e não têm qualquer embasamento científico.
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Nesta semana fui surpreendida por mais um grupo que deseja ser nutricionista também: políticos! A deputada federal de São Paulo, Joice Hasselmann (Partido Social Liberal – PSL), depois de emagrecer também se sentiu confortável em dizer aos quatro cantos “o que” e “quanto” se deve comer para perder peso.
Talvez pelo fato de que todos têm que se alimentar todos os dias, muitos se sentem confiantes – e no direito – de falar sobre nutrição.
Hoje, porém, no dia oficial do nutricionista, é mais importante do que nunca ser clara sobre o tema: nutrição envolve muito estudo, trabalho, dedicação e acompanhamento; nutrição, portanto, é só com o nutricionista.
Segundo dados do Conselho Federal de Nutricionistas (CFN), até o primeiro trimestre deste ano havia no Brasil mais de 155 mil nutricionistas cadastrados. Esses profissionais são os verdadeiros responsáveis por levar informação e saúde nutricional a todos os brasileiros. Isso se dá graças a muito estudo e aperfeiçoamento: em nossa formação, além de entender sobre calorias e macronutrientes, também estudamos bioquímica, bromatologia, parasitologia, fisiologia, dietética, neurofisiologia, psicologia e anatomia, além de várias outras disciplinas de fora da área da saúde, como ética, comunicação e estatística.
E isso tudo com o objetivo de entender, de modo global, as necessidades nutricionais do ser humano em todas as suas especificidades, a fim de podermos, com segurança, ética e empatia, transformar as relações das pessoas com o ato de comer.
O nutricionista é o agente que possibilita que novas atitudes em relação à comida sejam construídas. Não somos meros emagrecedores, como muitos ainda acreditam. Nosso trabalho relaciona-se, principalmente, a questões ligadas à alimentação em todos os seus aspectos – de biológicos e nutricionais a culturais e sociais –, além de propor e incentivar transformações no comportamento alimentar das pessoas visando uma vida verdadeiramente mais saudável e equilibrada, em respeito às características de cada um.
O fato de termos pseudo-especialistas falando sobre nutrição sem ter condições para tal faz com que recebamos informações dicotômicas, contraditórias e, na maioria dos casos, erradas sobre comida e peso.
Enquanto o padrão de beleza magérrimo é imposto socialmente, em especial por meio da mídia e redes sociais, há uma gigantesca oferta de alimentos calóricos e ultraprocessados. Isso constitui um dos grandes problemas contemporâneos, fazendo com que a obesidade e os transtornos alimentares acabem sendo resultado de algo muito maior – algo que inclui, infelizmente, a apropriação por pessoas e profissionais não-especializados de discursos e saberes específicos do nutricionista. Muitas vezes, inclusive, acredito que essa apropriação se transforme em verdadeiro catalisador para o surgimento de transtornos alimentares nas pessoas.
Enquanto muitos se apoderam da ciência que tanto estudamos, os nutricionistas permanecem firmes no propósito de serem auxiliadores de novos e saudáveis hábitos e atitudes sobre processos envolvendo o comer, o corpo e a comida.
Não disputaremos a atenção e o merecido respeito postando fotos do que comemos ou, muito menos, dos nossos corpos. Não seremos patrocinados por grandes marcas de produtos alimentícios. Não deixaremos nosso discurso de saúde ser levado pelo viés da estética da magreza. Manteremos nossa conduta ética, digna e séria, agarrados ao juramento que um dia fizemos enquanto segurávamos nossos diplomas. Feliz dia do nutricionista a todos os que, como eu, são nutricionistas!
Texto escrito pela nutricionista Marcela Kotait.