O que se sabe sobre o uso de cloroquina contra o coronavírus
Apontada como droga capaz de virar o jogo contra o novo coronavírus, a substância ainda carece de evidências científicas sólidas
No centro das discussões científicas e até políticas está a cloroquina, uma medicação usada de forma segura há anos contra a malária e algumas doenças reumatológicas, que agora tem sido estudada no tratamento de casos graves do novo coronavírus.
Depois que o presidente norte-americano Donald Trump anunciou a droga como possível solução para a pandemia, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) também passou a usá-la como tábua de salvação para justificar a volta à vida normal.
Os discursos inflamados dos dois líderes, no entanto, não têm embasamento científico adequado e se sustentam apenas em estudos preliminares.
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De fato, a cloroquina, assim como a hidroxicloroquina – um derivado menos tóxico da droga – têm sido alvo de testes científicos no mundo todo, incluindo o Brasil, e já têm sido administradas em caráter experimental em pacientes com quadros graves ou críticos de covid-19, internados em UTI.
O protocolo do Ministério da Saúde prevê cinco dias de tratamento. As drogas são utilizadas como complementares aos outros suportes utilizados, como assistência ventilatória e medicações para os sintomas, como febre e mal-estar.
Porém, como quase tudo relacionado ao vírus SARS-CoV-2, ainda é cedo demais para tirar qualquer conclusão a respeito desses medicamentos.
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O que já se sabe, porém, é que seus efeitos colaterais são sérios, especialmente para o coração, e o uso indiscriminado da cloroquina no combate ao novo coronavírus está ligado a casos de morte em alguns países. Há até mesmo um estudo brasileiro que precisou ser interrompido após pacientes tratados com cloroquina virem a óbito.
Na Suécia, os efeitos adversos da medicação também levaram vários hospitais do país a suspender seu uso. De acordo com o jornal sueco Expresse, alguns pacientes que foram tratados com a droga tiveram a visão periférica reduzida.
Questionado em uma coletiva de imprensa sobre a possibilidade do uso desse tratamento em casos leves da doença, o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, chegou a falar que não mudará o protocolo antes de evidências científicas robustas sobre segurança e eficácia da droga. Ele também afirmou que médicos que receitarem a cloroquina ou hidroxicloroquina para tratamento de casos leves e moderados do novo coronavírus devem se responsabilizar pela decisão e conscientizar os pacientes sobre os riscos.
Por certo, ainda não há nenhuma conclusão sobre a segurança e real eficácia do medicamento em casos de covid-19, mas a ciência está debruçada sobre seus efeitos positivos e indesejados.
Para você acompanhar o que é conhecido sobre o uso de cloroquina e hidroxicloroquina em casos de covid-19, fizemos abaixo um compilado dos principais estudos que estão em andamento ou já foram finalizados ou ainda que precisaram ser interrompidos. Vale dizer que há pelo menos 80 estudos sobre o tema em andamento em todo mundo.
Estudos franceses sobre cloroquina e coronavírus
Na França, o cientista Didier Raoult, autor de livros sobre doenças infecciosas, vem comandando alguns estudos sobre a hidroxicloroquina no tratamento de covid-19, causada pelo novo coronavírus. No mais recente deles, ele associou o uso da droga ao antibiótico azitromicina e concluiu que, “administrada imediatamente após o diagnóstico, é um tratamento seguro e eficaz”. Raoult chegou a apresentar o resultado do estudo ao presidente Emmanuel Macron.
Neste último estudo, 1.061 pacientes diagnosticados com o novo coronavírus receberam o tratamento proposto por pelo menos três dias. Desses, 973 zeraram a carga viral, segundo o pesquisador, e cinco pacientes, com idades entre 74 e 95 anos, morreram.
Embora considerados promissores, os estudos dividem a comunidade científica, que vê com cautela a possível eficácia da droga e reforça a necessidade de uma análise mais aprofundada sobre os efeitos colaterais, como a arritmia cardíaca.
Justamente por conta dessa reação indesejada, o Centro Hospitalar Universitário de Nice, na França, teve que interromper imediatamente os testes com hidroxicloroquina e azitromicina em uma mulher internada depois que ela passou a apresentar complicações cardíacas. Além disso, o país investiga mortes de pessoas que teriam se automedicado com a droga.
Ainda que alguns pacientes apresentaram melhora após o tratamento com cloroquina e hidroxicloroquina nos hospitais franceses, as autoridades do país dizem que ainda faltam resultados significativos, em termos estatísticos.
Coalizão COVID Brasil
O primeiro estudo clínico brasileiro sobre a eficácia e a segurança da hidroxicloroquina nomeado de Coalizão COVID Brasil envolve a participação de 40 a 60 hospitais de todo o Brasil. A iniciativa é fruto de uma parceria entre Hospital Israelita Albert Einstein, HCor, Hospital Sírio Libanês, a BP - A Beneficência Portuguesa de São Paulo e a Rede Brasileira de Pesquisa em Terapia Intensiva (BRICNet), junto com o Ministério da Saúde.
Os testes, que vão envolver 1,3 mil pacientes internados com menor ou maior gravidade, já começaram no final de março, e os resultados só serão conhecidos em três meses.
O trabalho será dividido em três pesquisas. Duas delas envolvem a avaliação de azitromicina e hidroxicloroquina em pacientes hospitalizados com a doença do grau leve ao moderado e outra em pacientes em estado grave.
Os estudos foram aprovados pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep).
Estudo CloroCovid-19 (Manaus)
Outro estudo brasileiro que avaliava a eficácia da cloroquina contra o novo coronavírus teve que ser suspenso após 11 pacientes morrerem. A pesquisa, que era realizada em Manaus, com o financiamento pelo governo do estado do Amazonas e da Farmanguinhos (Fiocruz), observou uma toxidade muito alta em doses maiores da medicação, o que causava quadros severos de arritmia ou batimentos cardíacos irregulares nos pacientes.
“Tais resultados nos forçaram a interromper prematuramente o recrutamento de pacientes para este braço [da pesquisa]”, diz o estudo preliminar publicado no site da área da saúde chamado medRxiv.org.
Estudo de Oxford e Birmingham
Os efeitos adversos da cloroquina também foram motivo de bastante preocupação de pesquisadores das universidades de Oxford e Birmingham, no Reino Unido. Eles disseram que a administração da substância em pacientes com covid-19 pode ser prejudicial. A informação faz parte de um editorial publicado no The British Medical Journal, referência mundial em publicações científicas.
“O amplo uso da hidroxicloroquina expõe alguns pacientes a danos raros, mas potencialmente fatais, incluindo reações adversas cutâneas graves, insuficiência hepática fulminante e arritmias ventriculares (principalmente quando prescritas com azitromicina)”, afirma o artigo assinado pelo professor Robin Ferner, do Instituto de Ciências Clínicas da Universidade de Birmingham, e Jeffrey Aronson, do departamento de Ciências da Saúde da Universidade de Oxford, no Reino Unido.
Estudos na China
A China também realizou alguns estudos sobre a utilização de cloroquina e a hidroxicloroquina no tratamento da covid-19, porém a comunidade científica viu com reticência os protocolos dos testes, por esses terem sido feitos com grupos pequenos.
Em um dos testes realizado em março por uma equipe do Centro Clínico de Saúde Pública de Xangai, na China, os pesquisadores trataram 15 pacientes com 400 mg de cloroquina por cinco dias e os outros 15 foram submetidos ao tratamento padrão. Sete dias após o início dos testes, as tomografias computadorizadas dos pacientes mostraram que houve pouca diferença na progressão da doença entre aqueles que receberam a droga e os que receberam o tratamento convencional. Os resultados foram publicados no Journal of Zhejiang University.
Os pesquisadores reconheceram que o estudo clínico foi pequeno e que seria necessário um levantamento maior para confirmar os possíveis benefícios da droga.