Será que devemos mesmo comer a cada 3 horas?

Aplicar essa lógica ao nos alimentar é ignorar os sinais de fome e saciedade

Muita gente já ouviu que um planejamento alimentar saudável significa praticar intervalo de 3  horas entre as refeições. Em termos práticos, isso envolve realizar uma média de seis refeições por dia: para além do café da manhã, almoço e jantar, deve-se fazer dois lanches intermediários: um na parte da manhã, entre o café e o almoço; e outro à tarde, entre o almoço e o jantar.

Após o jantar espera-se, no máximo, a prática de uma ceia leve, caso o período entre o jantar e a hora de dormir também seja longo. Será que isso é saudável? Na realidade, não. E isso por um motivo principal: comer a cada três horas representa, no fundo, uma divisão artificial do ato de se alimentar, afastando-nos daquilo que realmente importa – os nossos sinais físicos de fome e saciedade, com suas especificidades e frequência particulares.

Intervalo de 3  horas entre as refeições é uma divisão artificial
Créditos: Julio Ricco/istock
Intervalo de 3  horas entre as refeições é uma divisão artificial

À primeira vista, a ideia de se alimentar por intervalos idênticos de três horas parece fazer sentido. Afinal, quantos de nós não sentimos fome com certa regularidade? A própria construção social de refeições como café da manhã, almoço e jantar relaciona-se a necessidades intrínsecas da grande maioria dos seres humanos de comer após acordar, e de realizar refeições no meio e no final do dia, apesar de as características dessas refeições ser diferente para cada sociedade: em algumas, o café da manhã é entendido como a principal refeição no dia; para outras, o jantar. Aqui no Brasil, como sabemos, é o almoço, e assim por diante.

Isso quer dizer então que devemos necessariamente tomar café da manhã logo após acordarmos? E que temos que almoçar todos os dias sempre ao meio-dia, por exemplo? A resposta é não.

Refeições devem respeitar os sinais de fome que o corpo dá
Créditos: .shock/istock
Refeições devem respeitar os sinais de fome que o corpo dá

Na verdade, temos que comer quando temos fome; e parar de comer quando nos sentimos saciados. Existe uma grande chance de em algum momento após acordarmos sentirmos fome; e de em algum horário por volta do meio-dia, percebermos a nossa barriga roncar. Se isso ocorrer, obviamente, temos que comer. Se não ocorrer, não devemos nos forçar a comer só porque está no “horário” para fazer determinada refeição.

A mesma lógica aplica-se à recomendação supostamente saudável de que devemos nos alimentar a cada 3 horas, independentemente do que acontecer e do que sentimos.

Guiar-se pelo relógio de modo rígido acaba confundindo os motivadores do ato de comer. E esses motivadores não podem ser “domesticados” pelo relógio. Muito pelo contrário: além dos fatores naturais que nos fazem sentir fome frequentemente ao longo do dia, a nossa necessidade corporal de reposição de energia e a intensidade dessa reposição dependem de inúmeras variáveis fora do nosso controle, entre as quais idade, gênero, realização de exercício físico, tempo e qualidade do sono, nível de estresse e fatores socioambientais.

Um outro perigo de seguir à risca um planejamento alimentar com intervalo temporal regular está no medo de sentir fome entre as refeições. Ou seja: como sei que eu não “poderei” comer nas próximas horas, acabo comendo mais do que preciso quando sou “autorizado” a me alimentar. Para além dos óbvios malefícios que podemos sentir quando comemos mais do que o nosso corpo quer ou precisa (azia, indigestão, mal-estar), mais uma vez nós nos desconectamos da sensação corporal e ficamos mais longe daquilo que deveria ser o nosso guia para realizar qualquer refeição: respeitar as sensações de fome e saciedade.

Dessa maneira, comer de maneira verdadeiramente saudável é comer de acordo com as necessidades de cada um, respeitando o corpo e não o relógio, entendendo a intenção do ato, de maneira atenta e equilibrada, sem prender-se a regras rígidas, prévias e prescritas. A dinâmica do comer é algo extremamente complexo e deve ser valorizada como tal, sendo impossível de ser padronizada. Portanto, autorize-se comer com permissão incondicional e seguindo os sinais do corpo, deixando de lado a obrigação pelo número de horas.

Texto escrito pela nutricionista Marcela Kotait.