‘Imunidade de rebanho sem vacina não existe’, afirma imunologista

Especialista da Sociedade Brasileira de Imunologia pede para que as pessoas parem de usar o termo de maneira equivocada

13/07/2020 19:58 / Atualizado em 06/05/2021 17:33

Desde o início da pandemia, muito tem se falado sobre a imunidade de rebanho. Muitos acreditavam que ela pudesse ser o caminho para controlar o coronavírus. Teoricamente, se um número suficiente da população se infectasse e desenvolvesse anticorpos, a disseminação da doença seria interrompida. O “rebanho” de pessoas imunes, então, protegeria a todos não imunes. Mas isso não passa de ilusão, pois essa imunidade coletiva não é alcançada sem vacinação. É o que esclarece a imunologista Cristina Bonorino, da Sociedade Brasileira de Imunologia.

“Imunidade de rebanho é um conceito criado pelos imunologistas para explicar como a vacinação funciona, para determinar as estratégias de vacinação. Ela é impossível de se obter naturalmente. Isso não existe. É só pensar quantos milênios a humanidade foi suscetível à varíola. Nunca existiu imunidade de rebanho para a varíola antes da vacinação”, explica a especialista.

O conceito errôneo ficou conhecido depois que alguns políticos se utilizaram dele para defender a volta à normalidade da vida econômica durante a pandemia.

O primeiro ministro britânico, Boris Johnson, quis usar o fenômeno como forma de enfrentamento ao vírus, mas logo recuou.

No Brasil, a ideia foi defendida pelo deputado federal Osmar Terra (MDB-RS). Ele disse que a quarentena era ineficiente e que era preciso que um número alto de pessoas se expusesse ao vírus para que 70% da população se contaminasse. Dessa forma, estaria alcançada o que ele chamou de imunidade de rebanho. O discurso foi também foi repetidas vezes defendido pelo presidente Jair Bolsonaro.


#NessaQuarentenaEuVou – Dicas durante o isolamento:


Para a imunologista Cristina Bonorino, a proposta para alcançar a imunidade de rebanho através de infecções naturais não é só inatingível, como também antiética. “É uma irresponsabilidade falar nesses termos sem saber o conhecimento técnico para usar e planejar uma política pública, qualquer que seja ela”, ressalta.

‘Imunidade de rebanho sem vacina não existe’, diz imunologista
‘Imunidade de rebanho sem vacina não existe’, diz imunologista - Snap/Pexels

Além disso, a especialista lembra que é impossível falar em imunidade coletiva em uma sociedade dinâmica. “O que as pessoas pensam é o seguinte: dá para morrer milhões e aí a gente atinge imunidade de rebanho em um instante, mas isso imediatamente se desfaz porque as pessoas começam a se movimentar. As pessoas não moram na mesma cidade para sempre, elas não vão ficar para sempre naquela vila. Então, no momento em que retoma a migração, no momento em que nascem pessoas que não estão vacinadas, isso se desfaz, o equilíbrio é alterado”.

Ainda vale lembrar que não dá para contar com uma imunidade coletiva a partir de anticorpos criados após a infecção pelo novo coronavírus, pois estudos têm indicado que essa imunidade é passageira. Ou seja, as pessoas que já tiveram a covid-19 podem se contaminar novamente, assim como acontece com a gripe, por exemplo.

Imunidade de rebanho: quando vacinados protegem os não vacinados

Com a vacinação, aí sim, dá para criar o efeito rebanho. Quanto mais pessoas vacinadas, menos vírus circulando e mesmo aqueles que por algum motivo não podem tomar a vacina ficam protegidos de maneira indireta. Dessa forma, a cadeia de disseminação é freada.

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Os epidemiologistas e os imunologistas fazem um cálculo que leva em conta a taxa de transmissão de cada vírus para determinar a porcentagem de pessoas que devem ser vacinadas para atingir a imunidade da população como um todo. Com base nisso, determinam as estratégias das campanhas de vacinação.

Usando esse conceito, vacinas já controlaram com sucesso doenças contagiosas, como varíola, poliomielite, difteria, rubéola e muitas outras.

“Quando se erradicou a varíola, os últimos focos estavam na Índia, então, se mapearam os focos e os contatos das pessoas e se vacinaram naqueles lugares, naquelas aldeias e os contatos. Então, é assim que a gente consegue proteger a população: vacinando. Enquanto não existe vacina, o que existe é fragilidade de uma população frente a um vírus. O instrumento mais poderoso ainda é o isolamento”, reforça a imunologista.

Cristina Bonorino insiste que a vacinação precisa ser continuada, e, assim, ao longo de muitos anos, se consegue imunidade de rebanho.