Como amenizar ansiedade coletiva da quarentena, de acordo com psicólogas
Sentir-se ansioso quando as coisas fogem ao controle é natural, mas existem maneiras que podem aliviar a sensação de mal-estar
Pessoas confinadas em casa sendo bombardeadas de notícias nada animadoras, com inúmeras incertezas sobre o futuro e nenhuma perspectiva de quando a vida voltará ao normal. De fato, essa somatória de coisas não é nada fácil para ninguém, imagine, então, para um ansioso. Não que precisasse de pesquisa para constatar, mas elas têm sido feitas aos montes e já apontaram que, sim, a ansiedade disparou nessa quarentena.
Sentir os dedos ou os lábios formigarem, os batimentos cardíacos acelerarem, dificuldades de respirar e tremores no corpo são alguns dos sinais fisiológicos que podem aparecer quando a ansiedade chega ao extremo.
De acordo com a psicóloga e psicoterapeuta Mariangela Savoia, do Programa de Ansiedade do IPq – Instituto de Psiquiatria do HC -USP, qualquer evento traumático como o que estamos vivenciando agora, onde existe uma possibilidade de uma morte iminente, uma sensação de desconhecido, pode despertar uma crise de ansiedade.
Segundo ela, isso acontece porque ter o controle sobre sua vida é uma questão importante para o ser humano e quando isso é perdido, o estado ansioso é despertado. “Quando nos preocupamos demais e vemos que não temos solução para aqueles problemas acaba acontecendo que essa ansiedade se exacerba e a pessoa começa a ter crises de ansiedade”, explica.
O que é uma crise de ansiedade ou crise de pânico?
A ansiedade é uma emoção inerente ao ser humano, e da qual não podemos nos livrar. Ela nos ajuda a antever uma situação de perigo e nos preparar para enfrentá-la.
Já a crise é quando a coisa foge ao controle e acontece uma descarga abrupta de noradrenalina e adrenalina no nosso organismo. São essas as substâncias responsáveis pelas manifestações físicas indesejadas já citadas acima, como a taquicardia. Por mais estranho que possa parecer, essa é a resposta que nosso corpo dá às preocupações, estresse, medo e insegurança.
A sensação ruim pode durar poucos minutos, mas acontecer em vários momentos ao longo do dia e das semanas. E essas crises tendem a variar de intensidade. Em determinados períodos do dia, podem aparecer de forma mais branda e piorar em outros.
“Uma crise de ansiedade basicamente é a forma como lidamos e interpretamos as situações, principalmente, nessa nova situação de pandemia. Nós podemos focar no pior desfecho possível: ‘ah, eu vou me contaminar, vou morrer, minha família vai se contaminar’. Ou nós podemos encontrar estratégias para lidar com essa situação”, analisa a especialista e pesquisadora do IPq.
A linha que separa a crise de ansiedade da crise ou ataque de pânico é tênue, a diferença está basicamente na intensidade dos sintomas e como eles se manifestam. “A crise de ansiedade é constante e tem alguns picos, enquanto o ataque de pânico, normalmente, é inesperado e tem sintomas classificados como mais fortes e com mais desconforto”, explica a psicóloga clínica Gabriela Lumi, da Flows Psicologia.
Ela destaca que o pânico tem um pico muito rápido, tendendo a durar entre 15 e 20 minutos. “A pessoa pode ter medo de morrer durante esse ataque de pânico, de ter um AVC, de desmaiar, de enlouquecer, entre outros”, diz.
Mas o que explica algumas pessoas serem mais suscetíveis que as outras?
Embora a ansiedade seja multifatorial, a carga genética tem peso grande. “Existem pessoas que tem traços de personalidade mais ansiogénicos e que respondem com mais ansiedade às situações de perigo”, diz Savoia.
A psicóloga Gabriela Lumi explica que a cabeça de um ansioso funciona de uma maneira um pouquinho diferente. “A tendência da nossa mente é sim avaliar todas as situações, sendo elas positivas ou negativas. Mas, em pessoas ansiosas, a tendência é ter padrões de pensamentos com desfechos mais negativos”, exemplifica.
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E como lidar com tudo isso em uma situação de pandemia?
Calma porque há jeitos, sim, de melhorar essa sensação. A primeira coisa a se fazer é não tentar evitá-la…
“Quando começam os primeiros sinais de ansiedade, nós tendemos a lutar contra essa sensação porque ela não é agradável, mas quando começamos a lutar contra esses sentimentos que consideramos ruins, os sintomas de ansiedade tendem a se agravar e a se elevar”, adianta Gabriela.
Segundo ela, é importante entendermos que, no atual contexto, é natural que a ansiedade apareça, afinal, são muitos cenários novos e desconhecidos surgindo e que fogem totalmente do nosso controle. “É inevitável que isso não nos afete em algum grau”, garante. “Também não dá para ficarmos paralisados nesse momento de luta e de fuga em que a ansiedade nos coloca. Então, temos que pensar sobre o que estamos pensando e tentar descatastrofizar esse quadro.”
“Nós não podemos escolher o contexto que estamos vivendo, mas nós podemos escolher de que forma vamos enfrentar essa situação. Como lidamos com a situação atual e também como nós interpretamos esses fatos”, diz a psicóloga da Flows.
A especialista Mariangela Savoia defende o mesmo. “O mais importante é saber que é normal sentir ansiedade, ficar preocupado e tenso, sem saber se a gente vai conseguir pagar todas as contas, Então é preciso aceitar o sentimento e não necessariamente evitá-lo, mas sim amenizá-lo através de técnicas de relaxamento e até meditação.”
Outra dica é procurar criar e manter uma rotina dentro de casa porque isso vai ajudar a organizar a mente durante o período de isolamento social.
“Principalmente, cuide do sono, horário pra dormir certinho, dormir a quantidade de horas correta, ter refeições balanceadas em seus horários normais e não exagerar no trabalho porque, se estamos em casa, ficamos o tempo todo trabalhando, isso não ajuda, só aumenta porque precisa ter momentos de lazer e encontrar esses momentos de lazer mesmo que seja em casa”, indica a pesquisadora do IPq.
Veja outras dicas para usar quando a ansiedade bater
Respirar…
Algo tão simples, mas fundamental em momentos ansiosos: R-E-S-P-I-R-A-R lenta e profundamente.
Acontece que durante a crise, começamos a respirar rápido demais. É quando a sensação de falta de ar é percebida, podendo causar tonturas e até desmaio.
Se tentarmos normalizar a frequência da respiração, esse mal-estar será reduzido.
A psicóloga Gabriela Lumi explica que “quando estamos ansiosos, nós acionamos o nosso sistema nervoso simpático, que é o sistema de luta e de fuga que evolutivamente nos foi tão útil. Então, quando nós respiramos de uma maneira lenta e profunda, mais com o diafragma e não tão superficial, nós acionamos o nosso sistema parassimpático, que é o sistema de relaxamento.”
Mudar o foco de atenção
Sabe o qual o grande responsável por fazer nossa crise de ansiedade se intensificar? A atenção que colocamos sobre os sintomas conforme eles vão aparecendo. Por isso, é preciso mudar o foco e desviar nossa atenção para o que está ocorrendo fora do nosso corpo.
Um jeito bem simples de fazer isso é utilizar a chamada técnica Grounding. São exercícios que consistem em:
Focar na respiração e identificar:
- 5 coisas que você pode ver;
- 4 coisas que pode tocar;
- 3 coisas que você pode ouvir;
- duas coisas que você pode cheirar ;
- 1 coisa que você sentir gosto.
Exercícios físicos
A atividade física também serve para tirar a atenção das nossas preocupações com o atual cenário, além de ajudar a diminuir a tensão muscular. Mas o mais interessante aqui é que o aumento da frequência cardíaca consegue fazer alterações neuroquímicas no cérebro, aumentando a concentração de hormônios anti-ansiedade, incluindo serotonina.
Quando é necessário procurar ajuda?
Se a coisa apertar e você começar a ter dificuldades para dormir e trabalhar, é necessário buscar ajuda especializada, mesmo que a distância. “Muitas pessoas buscam ajuda quando já estão com os sintomas muito incapacitantes, sejam de ansiedade, de depressão ou de outros transtornos mentais. A gente costuma dizer que a hora de consertar o telhado é quando não está chovendo. Por isso, então, a importância dessa prevenção e não deixar que os sintomas fiquem tão insuportáveis”, diz. “A terapia ajuda o paciente a se autoconhecer, a saber sobre seus padrões de pensamento, se estão funcionais ou disfuncionais e junto com o terapeuta ele desenvolve estratégias para lidar consigo mesmo, justamente em momentos de crises como esses que estamos vivendo”, esclarece Gabriela.
Veja no link abaixo alguns serviços de escuta e acolhimento para usar durante o isolamento social: