‘Relaxar o isolamento é técnica assassina’, diz infectologista
Especialistas enxergam no confinamento coletivo a medida mais acertada para conter uma disseminação ainda maior do novo coronavírus
É uma unanimidade entre especialistas em saúde do mundo todo que o isolamento social é a única forma possível e viável, neste momento, de conter a disseminação do novo coronavírus. Definir até quando isso será necessário ainda é prematuro.
Algumas projeções feitas em outros países trabalham com um período mínimo de dois meses. A China, por exemplo, relaxou as medidas restritivas três meses depois do início do surto e chegou a zerar a transmissão local por alguns dias.
Aqui no Brasil espera-se o mesmo. Manter comércios fechados e limitar a circulação de pessoas nas ruas seria capaz, numa primeira fase, de achatar a tão citada curva de infecções, dando tempo de acomodar os doentes, o que evitaria um colapso no sistema de saúde, incluindo o privado.
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O presidente Jair Bolsonaro, no entanto, discorda das medidas restritivas adotadas em alguns estados e diz que pode determinar a abertura do comércio com “uma canetada”. Bolsonaro defende o isolamento vertical, que consiste em recolher apenas pessoas que fazem parte do grupo de risco, como idosos e pacientes com doenças crônicas.
Esse discurso é visto com grande preocupação por parte da comunidade científica. “Essa técnica de soltar as pessoas não é arriscada só, ela é assassina, para dizer o mínimo”, afirma à Catraca Livre o infectologista Jamal Suleiman, do Instituto Emílio Ribas, de São Paulo.
“Quem sofre acidente nas ruas? É o velho ou é o novo? É o novo, né? E onde vão parar essas pessoas? Vão para casa para serem cuidadas ou para uma unidade de terapia intensiva e para o centro cirúrgico?”, questiona o médico. “Se liberar como era antes, as pessoas vão demandar serviços de alta complexidade e não vão ter porque eles estarão ocupados por aqueles que eram para ter ficado em casa”, argumenta.
Para o médico, a ideia de isolar apenas uma parte da população é uma discussão intolerável.
“Selecionar quem se vai proteger e quem não se vai proteger. Isso é eticamente condenável, isso não se sustenta. Quando a OMS propõe isso [isolamento], onde se encontra o corpo técnico mais capacitado a tomar decisões de proteção de larga escala para a humanidade? Não me parece que é atleta que ocupa esse cargo em Brasília.”
Aceleração dos casos
O Brasil está, neste momento, na aceleração da curva, e as próximas 4 ou 5 semanas serão muito intensas, segundo o infectologista. “O vírus está em transmissão comunitária, a gente não tem teste em massa, logo, a gente não sabe quem são as pessoas que têm o vírus, e elas já transmitiram para um monte de gente antes”, analisa.
Já se as medidas de isolamento funcionarem, como é possível observar na imagem acima, o número de casos em um determinado momento não ultrapassará a linha pontilhada, que representa a capacidade do sistema de saúde do país atender a demanda.
Para o infectologista Gerson Salvador, especialista em saúde pública, o Brasil terá que ser mais conservador com relação a essas medidas restritivas, visto que não temos ainda a capacidade de testar em massa, como foi feito na Coreia do Sul, por exemplo. “Essas medidas [de distanciamento social] podem ser ampliadas a depender da ocupação dos nossos leitos de terapia intensiva, nós podemos passar até para o que se chama de lockdown [fechamento total], com medidas coercitivas do Estado para evitar circulação de pessoas”, aponta.
De acordo com os especialistas, quando o país estiver preparado para o afrouxamento das restrições, precisará ainda assim de uma vigilância permanente e ajustes, quando necessários, para evitar novos surtos.
“O equilíbrio me parece que deve ser norteado pela disponibilidade de leitos, analisa o infectologista Marco Aurélio Safadi, professor da Faculdade de Medicina da Santa Casa de São Paulo. “Ou seja, quando tivermos um estoque de leitos suficiente, podemos afrouxar essas medidas, abrir parcialmente o comércio. E quando percebermos que começamos a congestionar esses leitos, você vai de novo restringir essas medidas”, defende Safadi.
O diretor da Sociedade Brasileira de Infectologia, Sérgio Cimerman, reforça que, se lá para frente, perceberem que o cenário mudou, as orientações para a população serão outras. “Ninguém vai deixar ninguém à toa em casa se não for por um motivo justo”, assegura.
Mas, por enquanto, o melhor a se fazer, segundo ele, é respeitar o isolamento social. “Se essas pessoas não respeitarem isso, podemos, sim, colapsar o sistema de saúde. A gente não vai ter UTI para toda essa população, e a gente não pode correr o risco de viver o que a Itália está vivendo hoje, de escolher quem vive e quem morre.”
Previsão de vida normal
Ultrapassada a marca de 1 milhão de pessoas infectadas em todo o mundo, difícil é saber quando a vida voltará ao normal. São ainda muitas perguntas e poucas respostas sobre esse vírus, que representa uma ameça sem precedentes a todas as nações.
As esperanças estão concentradas nos esforços de cientistas do mundo todo que correm contra o tempo nos experimentos com medicamentos e vacina, esta última pode demorar cerca de um ano para ser liberada para uso.
Antes disso, também pode ocorrer o que é chamado de “imunização de rebanho”, que é quando grande parcela da população foi contaminada e já não corre mais o risco de ficar doente.
Essa imunização, no entanto, ainda é cercada de dúvidas, conforme observado pelo infectologista Jamal Suleiman. “Se os jovens continuarem expostos, sem evoluir para situações de gravidade, eles desenvolvem imunidade. E aí tem outra pergunta: essa imunidade é protetora e duradoura ou não? No caso de influenza, por exemplo, não é. Por isso a gente faz vacina todo ano”, lembra.
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