Clube da insônia da quarentena: saiba o que fazer para dormir bem

Dificuldade para dormir e sono fragmentado com vários despertares são relatos comuns durante a pandemia; especialistas listam o que fazer

Preocupação, ansiedade e queixas de sono são uma tríade comum durante a pandemia. As queixas frequentes nos consultórios confirmam isso. Aqueles que já sofriam com insônia têm enfrentado mais dificuldades para dormir agora, e outros que tinham sono de sobra passaram a reclamar de noites mal dormidas.

De fato, o clube da insônia aumentou, e muita gente – mesmo que cansada – está lutando para conseguir suas suadas 8 horas de descanso. Mas por que isso acontece?

É preciso considerar que há uma relação enorme entre saúde mental e sono. Tendo em vista que a pandemia é uma situação inédita em nossas vidas, nada mais normal que a preocupação excessiva com o seu desfecho. Acontece que esse alto nível de tensão afeta nosso cérebro, alterando neurotransmissores e abrindo as comportas para desaguar uma cascata de cortisol, o chamado hormônio do estresse.

De acordo com a médica neurologista Andrea Bacelar, presidente da Associação Brasileira do Sono, isso faz com que tenhamos um grau de tensão e alerta estimulado permanentemente. “Quando chega a noite, eu preciso relaxar, desacelerar, diminuir a temperatura corporal para entrar no sono, mas esses hormônios impedem. É como se eu ficasse em um estado de hipervigilância 24 horas”, explica a especialista em medicina do sono à Catraca Livre.

Insônia tem sido queixa frequente durante a quarentena
Créditos: demaerre/istock
Insônia tem sido queixa frequente durante a quarentena

O problema é que um sono de má qualidade, segundo destaca a médica, vai retroalimentar a ansiedade, o medo e a preocupação e aí estará formado um círculo vicioso. “A gente entra numa espiral negativa mental”, comenta.

E as preocupações durante a pandemia também têm se refletido no conteúdo dos nossos sonhos. Vários estudos estão debruçados em analisar a nossa atividade onírica durante a noite e têm observado que os pesadelos estão mais frequentes.

É como se levássemos para a cama todos os nossos medos frente à ameaça de ficarmos doentes, de termos um parente contaminado, de vivermos lutos à nossa volta e reproduzíssemos isso dormindo.

Esses sonhos ruins e perturbadores estão intimamente ligados a frequentes despertares noturnos. Sonhar é uma caracterização do sono REM, fase onde há intensa atividade cerebral e movimentos oculares rápidos, e acordar durante essa fase levará à lembrança desses sonhos perturbadores.

“Como nosso sono está mais fragmentado e nossos ciclos de sono tendem a ter despertares entre eles, a gente acaba lembrando mais desse sonho de conteúdo negativo. Então, é frequente as pessoas relatarem esses pesadelos”, explica Andrea.

Outro ponto que tem alterado muito a qualidade do sono é a falta de rotina. Com os dias e as noites dentro de casa, muitas vezes, a hora de dormir e acordar se embaralham. Se por um lado, durante o dia, a exposição ao sol diminuiu, por outro, a exposição à luz das telas de smartphones aumentaram e muito à noite.

“O especialista em sono sempre falou mal da tecnologia próximo à hora de dormir. É um fato real, é mais um facilitador para distúrbio do sono. A gente tem que se policiar para que, nessa uma hora antes de dormir, a gente evite os smartphones, tablets, computador e a própria televisão”, recomenda a médica.

Falta de rotina e uso excessivo de aparelhos eletrônicos impacta diretamente na qualidade do sono
Créditos: Tero Vesalainen/istock
Falta de rotina e uso excessivo de aparelhos eletrônicos impacta diretamente na qualidade do sono

O problema das luzes artificiais das telas é que, ao entrar pela retina dos olhos, elas inibem a melatonina, hormônio que promove o sono. E não só isso! Permanecer conectado momentos antes de ir para a cama gera estímulos para o cérebro se manter alerta, quando o momento, na verdade, pede relaxamento e desaceleração.

Sono é coisa séria, e a falta dele, mais ainda

Pode até ter quem não concorde, mas dormir bem nunca foi luxo, é uma questão de saúde. É durante essas horinhas de descanso que corpo e cérebro se restauram para um novo dia, é quando nosso organismo elimina as toxinas produzidas durante o dia, diminuímos a frequência cardíaca e respiratória e restabelecemos os órgãos para o dia seguinte.


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E se o sono é um fenômeno biológico involuntário e vital para a nossa sobrevivência e para a nossa saúde, qual seria o impacto da falta dele?

Em um momento em que um vírus está circulando por aí, o impacto do sono ruim, entrecortado ou pouco profundo é enorme e imediato. “Pouco tempo basta para experimentar esses efeitos negativos”, explica o médico pneumologista Pedro Genta, do Centro de Medicina do Sono do HCor (Hospital do Coração), em São Paulo.

Ele cita alguns estudos que mostram que uma semana de privação do sono já é capaz de aumentar as chances de infecções, especialmente as virais, como um resfriado comum.

“A evidência que a gente tem mais forte é pra quem dorme pouco, não necessariamente isso se aplica a quem tem insônia, porque insônia nem sempre é sinônimo de dormir pouco”, explica Genta.

E sabe por que isso acontece? É que, durante a fase mais profunda do sono, as engrenagens do nosso sistema imune estão a todo vapor, girando para produzir reservas imunológicas. Se o descanso não é profundo ou ele apresenta vários microdespertares, a função imunológica vai ficar comprometida.

E a lista de malefícios do sono ruim não para por aí, inclui ainda mau humor, memória ruim, aumento de dores e de lesões no curto prazo e até o desenvolvimento de doenças degenerativas no longo prazo, como hipertensão, diabetes, depressão e câncer.

Sono perdido não tem volta

E se você é daqueles que acham que tudo bem ficar em débito com o sono hoje para pagar amanhã, pode ir tirando o cavalo da chuva. Segundo a médica Andrea Bacelar, para uma única noite de sono perdida, serão necessárias outras três adequadas para se re-estabelecer do ponto de vista bioquímico, de neurônios e de hormônios, porém, ela deixa claro que tempo de sono perdido é tempo de sono perdido.

“A gente não recupera porque você não pode somar o tempo de sono da semana e dividir por sete dias e achar que tem um tempo adequado de sono na semana por dia porque não é assim”, diz. “A gente precisa de uma rotina, com todas as noites no mesmo horário, acordando no mesmo horário, dormindo aquele tempo de sono ideal para nossa faixa etária, para nosso bem-estar biológico. Isso que é fundamental”, completa.

O que fazer e não fazer para melhorar o sono:

Há muita gente que acaba fazendo do quarto e – muitas vezes da cama – o local de trabalho. Esta é uma das maiores ciladas, segundo os especialistas. A recomendação é pular fora do colchão assim que despertar, nada de ficar enrolando. Horas a mais na cama não significam descanso maior, pelo contrário.

“Curiosamente, tem uns dados da pandemia que mostram que as pessoas têm dormido uma hora a mais. Só que quanto mais tempo você fica na cama, pior o seu sono vai ser”, indica o pneumologista Pedro Genta, do Centro de Medicina do Sono do HCor.

“O resultado parece que vai ser bom se você pensar que pode dormir até mais tarde, não vai ter que acordar cedo para ir trabalhar, mas isso muitas vezes acaba piorando a qualidade do sono. Então, uma das coisas que costumamos orientar para quem tem insônia, em geral, é restringir o tempo na cama.”

Abaixo, os dois médicos listaram o que fazer e o que não fazer para conseguir uma boa noite de sono. Veja as dicas:

  • Crie uma rotina – o nosso corpo e a nossa mente precisam e gostam de rotina. Então, durma sempre no mesmo horário e acorde todos os dias mais ou menos no mesmo horário;
  •  Levante da cama logo após despertar;
  •  Troque o pijama mesmo que não tiver planos para sair de casa;
  • Tenha um período de lazer;
  • Faça exercícios físicos todos os dias, mesmo que da sala da sua casa;
  • Faça atividade mental, intelectual (estude, leia, produza);
  • Pare para ver um filme, uma série, brincar com os filhos ou animais de estimação;
  • Não se exponha demasiadamente às notícias para não viver sob tensão. Opte por um jornal para se atualizar e não fique acompanhando a escalada de casos, se isso te faz mal;
  • Tome sol pela manhã – isso é muito importante porque sincroniza seu ritmo circadiano;
  • Não abuse de medicação, não se automedique e não use tarjas pretas como recreação. Procure sempre ajuda médica;
  • Não abuse de bebida alcoólica para relaxar, esquecer ou dormir. Bebida é um meio de prazer que deve ser esporádico, não frequente;
  • Evite alimentos pesados ou gordurosos, especialmente no período da noite.